Tereza Campello
André Calixtre
Jorge Messias
Sandra Brandão
Em 1º de abril foi editada a Medida Provisória 936 (MP), instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Em um governo normal, civilizado, a questão que se impõe à formulação da política econômica é muito simples e direta: há que se preservar vidas antes do lucro, e a política econômica tem de estar urgentemente subordinada à preservação da vida. Passados cinco dias da desastrosa MP que apenas autorizava a suspensão de contratos, e quase duas semanas das primeiras medidas sanitárias para enfrentamento ao coronavírus, o governo finalmente parecia ter começado a agir para enfrentar os impactos da crise no mercado de trabalho. Será mesmo?
Esta nova MP representa um golpe contra a quarentena e contra os trabalhadores. O objetivo de qualquer medida deveria ser manter o trabalhador em casa, com segurança quanto à sua renda, e permitir às empresas folga em seus custos, para fazer frente à redução de receita. Redução de jornada de trabalho e salário não deveria ser cogitada neste momento. O foco da MP deveria ser, só e exclusivamente, a suspensão do exercício do trabalho, com segurança e previsibilidade para trabalhadores e empresas no período de isolamento social. Nesta crise sanitária, o Brasil não deveria querer trabalhadores em jornadas menores e sim trabalhadores em casa, protegidos e ajudando a proteger sua família, vizinhos e colegas de trabalho do vírus.
A MP impõe um arrocho monumental nas rendas do trabalho, com o falso discurso de que as estão protegendo. O truque está na referência do Seguro-Desemprego (SD) na recomposição da renda perdida pelo acordo individual. Como o SD varia entre um Salário Mínimo (R$ 1.040,00) e R$ 1.813,00, todos os trabalhadores formais que ganham acima deste teto serão afetados – mais de 40% do total, segundo os dados da última RAIS de 2018. Ou seja, ao balizar todos os pagamentos a serem feitos pelo governo para manter os salários no SD, a MP estabelece, sem deixar claro, que a contribuição máxima do governo será de R$ 1.813,03. O resultado dessa MP será, portanto, que por dois meses praticamente a totalidade dos trabalhadores brasileiros terá renda de, no máximo, R$ 1.813,03. Um arrocho sem precedentes, que é cruel com os trabalhadores no curto prazo e que representará, a médio prazo, obstáculos à retomada da atividade econômica, por aprofundar o endividamento das famílias e deprimir fortemente a demanda.
A perda de renda de trabalhadores que ganham acima do teto do Seguro-desemprego será imensa. A previsão no texto de uma compensação adicional voluntária do patrão ao trabalhador arrochado e recluso parece mais uma piada do 1° de abril. Ainda que se argumente que a maior parte do mercado de trabalho esteja protegida, visto que a maioria aufere rendimentos de até dois Salários Mínimos, o modelo de negociação individual proposto pela MP fragiliza o trabalhador e enfraquece a efetividade da medida em proteger empregos e garantir a quarentena. Em tese, pela leitura fria do texto, o trabalhador individualmente estaria protegido do desemprego caso celebre o acordo, mas a imposição de manter a folha salarial deveria valer para a empresa como um todo, não apenas para o empregado em si.
É um ultraje a previsão de que, durante a suspensão do contrato de trabalho, o empregado (é isso mesmo, o empregado) “possa” contribuir com a Previdência Social. Ele tem redução de salário (porque todos terão redução de salário) e ainda precisa contribuir para o INSS, se não este tempo não será computado como período de contribuição. O fiscalismo no Brasil atingiu níveis psicóticos. Mesmo o item que defende a manutenção dos benefícios durante a suspensão do contrato de trabalho é suficientemente genérico para permitir o corte de auxílio refeição dos trabalhadores que aderirem ao programa, o que deprimiria significativamente a renda destes.
Outro ponto que enfraquece a medida é exigir a manutenção do emprego após o período da quarentena, diminuindo a atratividade do acordo para os pequenos negócios. A estabilidade no pós-crise precisa ser analisada com muito cuidado. Trata-se de um objetivo desejável, mas será viável? As empresas, em especial as micro e pequenas, podem, em momento de incerteza aguda, assegurar que, ao final do prazo de calamidade pública, preservarão os empregos de todos os seus trabalhadores? É obrigatória a manutenção do emprego enquanto durar a crise, mas o pós-crise deve ser pensado com mais cuidado, com a fiscalização dos sindicatos e com muita transparência.
Ademais, a rapidez na implementação das medidas é fundamental para dar tranquilidade à sociedade. A nova MP traz prazos que, se respeitados em sua integralidade, farão com que os trabalhadores comecem a receber em meados de maio – nos termos do art. 5 por volta de 14 de maio. Por que adotar procedimentos tão complexos, ao invés de assumir integral ou parcialmente a folha de salários que começa a ser paga na próxima semana? O governo não tem noção da urgência? Teve para formular medidas para o sistema financeiro…
Vale repetir: por que o Governo não pode simplesmente assumir o pagamento dos salários no período de quarentena, em percentuais que assegurem a tranquilidade dos trabalhadores e empresas para que passemos por esta crise de forma mais organizada e justa? Sobre este ponto, o Partido dos Trabalhadores apresentou a proposta “Ninguém Demite Ninguém”, que caminha na direção correta das medidas econômicas de prevenção do vírus por meio do distanciamento e isolamento social.
Dada a estrutura salarial do mercado de trabalho brasileiro, uma medida eficaz de renda emergencial no mercado formal precisa garantir a renda de até três salários mínimos, e ela precisa ser desenhada de acordo (i) com o tamanho da empresa e (ii) com o setor de sua atuação. Os acordos podem ser celebrados individualmente, mas a empresa que os celebra tem de garantir a permanência de todo o seu quadro de trabalhadores na folha salarial, do contrário, o Governo estaria criando uma alternativa barata, rápida e trágica aos trabalhadores de reestruturação interna das empresas ante o cenário de recessão que se avizinha no futuro pós-crise. Os setores afetados pela política de fechamento compulsório dos negócios devem ser imediatamente protegidos, e os pequenos negócios devem ter tratamento diferenciado do Governo em relação aos grandes empresários. O centro desta medida deve ser a preservação da vida por meio da viabilidade econômica do isolamento e distanciamento social, único procedimento cientificamente aceito que a humanidade dispõe no momento para combater o Coronavírus.