Em entrevista à “rfI/France24”, o ex-ministro das Relações Exteriores do Equador Guilhaume Long alerta para o fato de que os “observadores” da OEA na eleição presidencial da Bolívia, neste domingo, serão os mesmos que forjaram um relatório sobre a eleição do ano passado, criando o ambiente de crise que resultou no golpe que destituiu Evo Morales. Long considera a atitude uma provocação.
Para nós, aqui no Brasil, é importante levar em conta esta denúncia, séria e correta, de uma pessoa que foi representante da OEA nas eleições de 2017, e tem grande experiência no assunto.
Leia abaixo a entrevista de Guilaume Long:
Guillaume Long:
‘A OEA é um ator fundamental do golpe na Bolívia’
rfI/France24
Por: Aída Palau|Florencia Valdés
Os bolivianos voltarão a votar neste domingo, 18 de outubro, em uma eleição geral que busca encerrar a grave crise política gerada pelas eleições do ano passado, em que houve denúncias de fraude, Evo Morales teve que ir para o exílio e um confronto foi gerado com pelo menos 30 mortos. Houve ou não fraude nessas eleições? Nós analisamos na Escala em Paris com Guillaume Long, ex-ministro das Relações Exteriores do Equador, chefe de observação da OEA nas eleições judiciais da Bolívia em 2017.
Nas eleições de 20 de outubro de 2019, Evo Morales estava vencendo quando a contagem rápida de votos foi paralisada, contagem que foi retomada um dia depois, quando Morales se declarava vencedor. É então que a oposição denuncia a fraude, ocorrem atos violentos, são queimadas atas e a OEA (Organização dos Estados Americanos) também declara que houve fraude. Uma denúncia que eles posteriormente confirmaram com um relatório de 100 páginas. O resultado é que Evo Morales teve que fugir para a Argentina e um governo de transição foi instalado no país, que levou quase um ano para organizar as eleições neste domingo.
Em seu relatório, a OEA assegura que “detectou uma manipulação fraudulenta das eleições em dois níveis. Ao nível da ata, da alteração da mesma e da falsificação das assinaturas dos jurados. Ao nível do processamento dos resultados, desde o redirecionamento do fluxo de dados para dois servidores ocultos e não controlados pelo pessoal do TSE, possibilitando a manipulação dos dados e a personificação dos registos”. Neste último aspecto, já destacaram no dia seguinte às eleições que era “difícil justificar a dramática mudança de tendência” nos resultados preliminares, com mais de 80 por cento dos boletins “claramente indicando um segundo turno”, antes de a contagem ser interrompida por 24 horas.
Especialistas do CEPR, Centro de Pesquisa em Economia e Política com sede em Washington, desmontaram as denúncias após uma análise do relatório da OEA. “Fizemos uma análise estatística para ver se houve essa ‘mudança drástica e difícil de justificar’ na votação. E vimos que não houve nenhuma mudança drástica na votação. O que aconteceu é que com 84% dos votos apurados, Evo Morales tinha uma diferença de 7,9% sobre seu próximo rival, Carlos Mesa, ou seja, menos que os 10 pontos que precisava para evitar um segundo turno, mas, já entrando cada vez mais votos e se aproximando de 100%, conseguiu passar o limite de 10 pontos para poder ganhar no primeiro turno porque, como em todos os processos eleitorais bolivianos nos últimos anos, o voto rural periférico entra mais tarde e são áreas favoráveis ao MAS”, diz Guillaume Long ,que participou desta investigação do CEPR.
Long, que trabalhou para a OEA justamente como chefe de observação nas eleições judiciais de 2017, reconhece que houve irregularidades nas eleições de outubro do ano passado, mas em nenhum caso elas configuraram fraude. “Quem já foi observador na OEA sabe, até treina para isso, que nem sempre quando há irregularidades, há fraude. Quando há irregularidades, é feita um informe para que o país em questão melhore seus processos. Para que as irregularidades signifiquem manipulação intencional, é preciso provar que foram intencionais e que alteraram o resultado, e a OEA em nenhum momento demonstra isso ”, garante Long.
Entre as irregularidades apontadas pela OEA está a identificação de 226 atas “em que dois ou mais atas de um mesmo centro de votação foram preenchidos pela mesma pessoa, denotando uma ação intencional e sistemática de manipulação dos resultados eleitorais”, pode-se ler no relatório. “A questão das assinaturas é uma piada”, diz Guillaume Long, que garante que denota falta de conhecimento. “Estamos falando de centros de votação muito remotos, lugares onde nem todos escrevem bem, onde há altos índices de analfabetismo ou onde a primeira língua não é o espanhol. Se isso é prova de fraude, nenhuma eleição na América Latina é válida”, esclarece Long, e denuncia que houve uma mão política no relatório da OEA: “A OEA é um ator fundamental no golpe na Bolívia”.
A Organização dos Estados Americanos mais uma vez monitorará as eleições de 18 de outubro. A equipe de 40 especialistas e observadores de 12 nacionalidades será liderada pelo ex-chanceler da Costa Rica, Manuel González, o mesmo que chefiou a missão nas eleições de 2019. “Uma provocação”, segundo Long.
Evo Morales passou mais de 13 anos no poder, com vitórias bastante folgadas. Porém, há uma eleição que ele perdeu, o referendo de 2016, quando o “Não” à reeleição ganhou com um total de 51,3%, mas ainda assim Evose candidatou. Perguntamos a Guillaume Long se isso foi um erro político, uma vez que provocou na população, principalmente na oposição, que viu a manobra com desconfiança e denunciou que o presidente queria permanecer no poder para sempre. Para o analista e ex-chanceler, “foi uma fonte de polarização muito importante e, é claro, a OEA aproveitou essas circunstâncias”, esclarece.
São três os favoritos para as eleições de domingo, 18 de outubro, segundo as pesquisas, Luis Arca, do MAS, chega em primeiro lugar com 33,6%, seguido por Carlos Mesa, do centro, com 26,8%, e o direitista Luis Fernando Camacho, com 13,9%. Pode acabar com a pior crise política dos últimos anos na Bolívia?