O acadêmico e ex-secretário de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro questiona, por meio de carta ao ombudsman da Folha de S. Paulo, trecho da entrevista feita com o diplomata israelense Dani Dayan, no qual ele aponta como uma “decisão infeliz” do governo Dilma Rousseff, em 2015, o fato de não ter se tornado embaixador de Israel no Brasil. Paulo Sérgio Pinheiro afirma que a entrevista falseia os fatos e acrescenta que o então primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu é que errou, ao anunciar publicamente o nome de Dayan para o posto antes de enviar ao Brasil o pedido de agrément do seu indicado, o que contraria frontalmente o protocolo diplomático entre os países.
Esta é a carta de Paulo Sérgio Pinheiro ao ombudsman da Folha, com os links para as matérias:
PAULO SÉRGIO PINHEIRO
São Paulo, 13.12.2021
Caro Ombudsman,
No afã de celebrar a política externa de Israel e de atacar o governo da presidente Dilma Rousseff, a repórter Daniela Kresch pergunta ao entrevistado Sr. Dani Dayan…
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/12/redes-sociais-nao-fazem-o-bastante-para-combater-antissemitismo-diz-diretor-do-museu-do-holocausto.shtml
O senhor deveria ter sido embaixador de Israel no Brasil, mas não foi aceito pela ex-presidente Dilma. Como o episódio afetou a sua vida? “A decisão foi infeliz e sem fundamento. Acho que até as pessoas que pensavam como ela na época entendem hoje que foi um erro diplomático grave. Mas é coisa do passado.”
Lamentavelmente não corresponde à realidade a repórter afirmar – e o subtítulo da Folha equivocadamente validar – que o “Israelense Dani Dayan, rejeitado por Dilma para ser embaixador no Brasil”
Como se pode depreender de texto da própria Folha indicado no corpo da matéria:
“Segundo a Folha apurou, o anúncio do novo embaixador não foi seguido do pedido formal de agrément ao Brasil. No jargão diplomático, o documento significa o aval do país que vai receber o chefe do posto. 21.9.2005 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/233825-brasil-indica-a-israel-insatisfacao-com-nome-de-embaixador.shtml
O mesmo no El Pais
“O Brasil lembra que não foi consultado com antecipação sobre a nomeação, e que somente recebeu a notificação depois que o primeiro-ministro já havia comunicado a nomeação à imprensa.” https://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/23/politica/1450892522_354450.html
Não houve nenhuma “decisão infeliz“ da presidente Dilma: simplesmente o então primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu, hoje alvo de vários processos por corrupção, do alto da sua arrogância, informou à imprensa israelense e mundial a nomeação do Sr. Dayan para embaixador no Brasil, sem ter recebido o agrément do governo brasileiro, que muito corretamente não se manifestou.
Como o Ombudsman sabe melhor do que eu, o agrément, nas relações internacionais, é a concordância de um Estado para receber membro de uma missão diplomática de um país estrangeiro. Nesse procedimento, o Estado solicita formalmente o consentimento, por meio de uma demande d’ agréation ao Estado, antes de nomear um diplomata para o Estado de recebimento. Bibi simplesmente deu com a língua nos dentes antes de receber o agrément do governo brasileiro sobre Dayan. A atuação do Itamaraty foi corretíssima, independentemente do governo brasileiro gostar ou não do indicado, e, como o Ombudsman sabe, o Estado brasileiro ou qualquer Estado na comunidade internacional não explica porque não deu agrément a um embaixador indicado por outro país.
A repórter, ou a Folha, na legenda de Dayan, comete outro equivoco informando que ele “representa os colonos israelenses em territórios em disputa com palestinos“. O Ombudsman também sabe que esses territórios, compreendendo a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, foram ocupados ilegalmente por Israel em 1967, depois da guerra dos seis dias (Jerusalém, em 1980) até hoje são considerados como “ territórios palestinos ocupados por Israel “pela ONU, por todos os seus Secretários-Gerais, por todos os órgãos de tratado das convenções internacionais, por todas as Agências da ONU, pela UNRWA (a agência de assistência na Cisjordânia ocupada), pelo Tribunal Internacional de Justiça, em Haia (que aliás renovou essa definição em vários casos), pela União Europeia, pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha e pela quase totalidade dos 192 estados membros da ONU. O que a repórter chama imprecisamente de ”disputa“ ( sic), na verdade se trata de legítima resistência pelos palestinos a essa ocupação colonial dos territórios palestinos por mais de meio século.
Aproveito o ensejo para renovar meu respeito e minha admiração por seu formidável trabalho como ombudsman (nos domingos a primeira leitura que faço é sua coluna)
Muito atenciosamente
Paulo Sérgio Pinheiro
Professor titular de ciência política, USP (aposentado)