A comissão especial do impeachment do Senado vota até o dia 4 de agosto o relatório final que trata do afastamento da presidenta Dilma Rousseff do governo. Nas alegações finais entregues na semana passada pelo advogado José Eduardo Cardozo, é possível entender as afirmações de Dilma de que o processo de impeachment adotado no Brasil é um golpe de Estado, já que não há crime de responsabilidade. O texto final das alegações finais pode ser baixado aqui.
Segundo Cardozo, o processo de impeachment em vigor foi utilizado não como um “recurso legal” para destituir presidentes que praticaram crimes graves, mas como uma “arma institucional” para remover presidentes que enfrentam uma “legislatura beligerante”. O argumento está contido no item 1.8 das alegações finais, intitulado “Da questão democrática: um processo de impeachment pode ser um golpe de Estado?”, e consta a partir da página 53 do documento de 536 páginas, entregue à comissão especial do Senado.
“A destituição de um Presidente da República legitimamente eleito é efetivada de forma maliciosa, sob pretextos jurídicos retóricos, sendo democrática apenas na sua ‘aparência’”, argumenta Cardozo.
Citando Magdalena Lopez, integrante do Instituto de Estudos sobre América Latina e Caribe, José Eduardo Cardozo aponta que em outros dois países da América Latina o parlamento derrubou os presidentes de Honduras e do Paraguai sem que fosse necessário recorrer às armas, como nos antigos golpes militares, que varreram países latinos ao longo dos anos 60, 70 e 80.
“No Paraguai não houve intervenção militar de nenhum tipo. Todavia, as novas estratégias de golpe, utilizadas pelas direitas em aliança com grandes meios de comunicação, corroem a legitimidade a partir do discurso”, destaca o advogado de Dilma. “Arrebenta-se a governabilidade – que é a palavra que explode nestes casos – e instala-se um discurso que corrói a capacidade de governo. Depois disso, instaura-se um julgamento político que, no caso de [Fernando] Lugo [presidente do Paraguai], era por ‘má gestão pública’”.
Nas alegações finais, Cardozo cita o atual advogado-geral da União, Fábio Osório Medina. Em 15 de abril de 2015, Medina sustentou o risco de golpe de Estado, caso a denúncia por crime de responsabilidade não tivesse amparo na Constituição, como tudo indicava.
Disse Medina em entrevista ao Diário do Grande ABC: “O impeachment como todo processo de responsabilização, tem elemento político muito forte, mas não pode ser arbitrário. Do contrário, pode se transformar em espécie de golpe”. E acrescentou: “Golpe revestido de institucionalidade”. Cardozo cita no documento força da posição do atual advogado Geral da União. Mas vai além das ponderações, lembrando da aparência de legalidade a um processo que, no fundo, viola a Constituição.
“Um processo de impeachment, em tese, pode ser realizado em estrita consonância com as formas processuais e ainda assim ser um ‘golpe de Estado’”, aponta Cardozo. “Isso ocorrerá quando as denúncias dirigidas contra a autoridade acusada forem manifestamente improcedentes, e não exista nenhuma disposição para se ouvir as razões invocadas, nem a pretensão de se examinar as provas produzidas”.
O advogado da presidenta Dilma Rousseff cita o professor Gilberto Bercovici, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo:
“Impeachment sem fundamento jurídico nada mais é do que um golpe de Estado. Um golpe patrocinado por parcela do Poder Legislativo, o que não lhe confere legitimidade alguma. Não interessa de onde se origina, podendo ser proveniente do Poder Legislativo, de um tribunal, palácio ou quartel. Tampouco interessa a denominação que se queria dar, a natureza das coisas não muda: golpe é golpe”.