LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
As únicas palavras sensatas do discurso de Jair Bolsonaro hoje na ONU foram as primeiras: o mundo precisa mesmo conhecer a verdade. Mas na boca de uma pessoa que não tem compromisso com a verdade até esta frase soa falsa.
O que se esperava ouvir hoje de um presidente são coisas simples, que estão indicadas no Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, apresentado ontem pelo Partido dos Trabalhadores.
Algo assim:
Senhoras e senhores desta Assembleia,
O Brasil se envergonha de ter tido, ao longo desta gravíssima pandemia, um governo que ignorou a ciência e desprezou a vida, o que resultou em mais de 136 mil mortes e milhões de contaminados pela Covid.
Queremos anunciar que, a partir deste momento, vamos realizar testes em massa na população para conhecer as verdadeiras dimensões da pandemia e enfrentá-la.
Vamos recompor o Orçamento da Saúde para ter hospitais, médicos, enfermeiros e remédios; investir o que for necessário para salvar vidas.
Vamos manter o auxílio emergencial de R$ 600 e instituir o Mais Bolsa Família, para que este valor seja pago mensalmente a todas as famílias vulneráveis.
Os bancos públicos abrirão imediatamente crédito para as pequenas empresas. Retomaremos já as obras paradas para reativar a economia e gerar empregos.
O governo brasileiro nunca mais fará propaganda enganosa de remédios sem comprovação científica nem voltará a desmoralizar medidas coletivas de prevenção.
A partir de hoje, estamos decretando o Desmatamento Zero da Amazônia. Três anos de proibição total de queimadas e derrubadas, para que a natureza tenha tempo de se recuperar da destruição.
Convocamos as Forças Armadas para combater o incêndio do Pantanal, a começar pelos 4 mil hoje deslocados para fazer provocação militar irresponsável em nossa fronteira com a Venezuela.
Os povos indígenas são irmãos da natureza e guardiões do meio ambiente. Terão prioridade nas ações emergenciais de saúde. Seu território e suas culturas voltarão a ser respeitados, com a retomada das demarcações de reservas e terras indígenas.
Os cientistas e os agricultores brasileiros desenvolveram a mais avançada tecnologia para o cultivo de grãos e produção de proteína animal.
Este conhecimento, a partir de hoje, voltará a ser utilizado em benefício da segurança alimentar do planeta e do povo brasileiro, de maneira social e ambientalmente sustentável.
A partir de hoje está proibido em nosso território o uso indiscriminado de insumos e sementes que representam risco à saúde humana.
Não é preciso destruir para botar comida na mesa. É preciso, sim, entregar terra, tecnologia e financiamento a centenas de milhares de famílias que trabalham no campo para alimentar as cidades.
Estamos criando hoje um banco de terras públicas para retomar a reforma agrária no Brasil. E reativando o financiamento da agricultura familiar.
É desta forma, garantindo segurança alimentar para nossa população e produzindo com abundância, respeito ao meio ambiente e à saúde humana, que o Brasil quer contribuir para saciar a fome no mundo.
Senhoras e senhores,
Esta assembleia foi criada, ao final da mais devastadora guerra de todos os tempos, para construir a paz, promover a educação, a saúde, o trabalho digno, a produção de alimentos e o equilíbrio nas relações econômicas.
Passados 75 anos, não tivemos sequer um dia sem guerras. O colonialismo deu lugar a outro tipo de dominação, ditada pela concentração de capitais e a especulação financeira. O acesso à educação e saúde é uma miragem para a imensa maioria. As relações de trabalho regridem ao que eram no século 19.
E, vergonha das vergonhas: 800 milhões de crianças passam fome todos os dias, no mesmo planeta em que uns poucos privilegiados nem sabem como gastar – ou sequer como contar – suas inacreditáveis fortunas.
Como alertou papa Francisco: “Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade”.
No Brasil, a partir de hoje, tudo que o estado fizer será no sentido de reverter séculos de desigualdade, o racismo estrutural que nos legou a escravidão, o patriarcado que discrimina as mulheres, superar o preconceito, a fome, a pobreza, o desemprego.
A partir de hoje o Brasil exercerá plenamente sua soberania, não para oprimir quem quer que seja, mas para promover a integração da América Latina, a cooperação com a África, relações econômicas equilibradas e democráticas entre os países, defender o meio ambiente e a paz mundial.
O Brasil quer para si o que deseja para todos os povos do planeta: soberania, autodeterminação, acesso compartilhado ao conhecimento, às vacinas e medicamentos imprescindíveis, regras justas de comércio, ação internacional efetiva para o desenvolvimento e o combate à pobreza no mundo.
O Brasil quer para todos democracia, paz e justiça.