Se o neoliberalismo é a principal causa do colapso que atingiu vários países desde os anos 1990, o FMI é o instrumento usado pela elite financeira mundial para aprofundar essas crises. Apesar de todos os erros acumulados com a aplicação de sua receita de austeridade, o FMI se recusa a admitir que a fórmula é um fracasso rotundo. Sob o pretexto de ajudar os países associados a saldar seus débitos internacionais, acaba por jogá-los num labirinto de desequilíbrio que sacrifica as populações mais vulneráveis – pequenos empresários, trabalhadores e pobres. Sete décadas depois de ter sido criado, o FMI foi sendo transformado em um remédio muito pior do que a doença.
A América Latina tem sido um laboratório de experiências mal sucedidas do FMI. É assim na Argentina de Macri, está sendo assim no Equador de Moreno. Um pouco antes, em 1997, foi assim no Brasil de FHC e no início de 2000, na Argentina, durante o governo De La Rua. Onde quer que o FMI imponha sua receita, o resultado costuma ser miséria e empobrecimento generalizado, crise política insanável, convulsões sociais explosivas. O FMI é uma peça de artilharia para aprofundar a agenda neoliberal.
Tem sido um fator de desestabilização de países democráticos do nosso continente. Não há neutralidade nas suas ações. Por trás dos empréstimos da instituição, se esconde a agenda neoliberal, o interesse do mercado financeiro e a proteção das elites dos países-clientes. Na verdade, o FMI se subordina à conveniência estratégica e geopolítica dos Estados Unidos.
Não há compatibilidade entre a ação do FMI e a democracia representativa. São excludentes. O estado democrático de direito não consegue conviver com a situação em que uma instituição da elite financeira internacional firma um pacto desastroso com as elites internas dos países, transferindo o enfrentamento de seus próprios erros para o sacrifício ignóbil da população que paga todo o preço do desastre.
Na última década dos anos 1990, o “tratamento padrão” do FMI à Coréia do Sul, por exemplo, fez o desemprego mais do que triplicar. País que tinha renda de padrão europeu, a Coréia do Sul entrou em profunda depressão, econômica e social, a ponto de dar origem a um fenômeno que ganhou o apelido de “suicídios do FMI”, quando muitos trabalhadores desempregados, por desespero, tiraram suas próprias vidas. Mas o país que mais sofreu com o FMI na Ásia foi a Indonésia, onde o PIB caiu 15% em um ano e a extrema pobreza disparou dos 11% de antes da crise para 40% a 60% depois da “solução”.
O Brasil no final dos anos 1990 abriu mão de sua soberania para entregar o controle da política econômica e social ao FMI. O governo neoliberal de FHC quebrara o país, que tinha uma dívida externa de US$ 165 bilhões e modestos US$ 37,8 bilhões de reservas internacionais. O empréstimo de US$ 41,7 bilhões do FMI e outras instituições internacionais não resolvia a situação financeira do Brasil, mas impunha a velha fórmula da austeridade e suas consequências. No caso do governo FHC, cortes de investimentos, paralisia econômica, privatizações danosas e marcadas por corrupção, cortes de programas sociais e grande crescimento do desemprego.
Com Lula, o Brasil voltou a mandar em si mesmo. Em 2005, tomou a decisão histórica de não renovar o acordo com o FMI e pagar integralmente a dívida que FHC não havia quitado. Em nova decisão inovadora, a partir de 2009 o governo do PT emprestou dinheiro ao FMI e, pela primeira vez, um país emergente tornou-se credor da instituição. No final do meu governo, havíamos acumulado US$ 380 bilhões em reservas, criando um bloqueio a qualquer ingerência do FMI. Por isso, a fraude do impeachment e o golpe foram o caminho escolhido para introduzir o neoliberalismo.
A fórmula imprestável do FMI não tem fronteiras e não escolhe continentes. É como uma epidemia mundial. Em, 2010, tratou o endividamento da Grécia com mão de ferro. Em pouco tempo, o país perdeu ¼ do seu PIB, o desemprego saltou para 22,5%, o salário teve queda real de 25%, e até hoje a dívida da Grécia não foi solucionada.
Na prática, o FMI nunca resolve as crises que deveria atenuar. Age como um médico do século XVIII que prescreve sangrias para quase todas as doenças. Em síntese, o remédio mata o paciente, em vez de curá-lo.
O caso atual da Argentina é emblemático: no quarto trimestre do ano passado, depois de um empréstimo de US$ 56 bilhões, a economia declinou 6,2%. Como não estava adiantando, o que fez o FMI? Exigiu novo arrocho fiscal e provocou exatamente o contrário do que diz pretender com sua “ajuda”: minou a confiança dos produtores e do mercado.
Os critérios políticos regem as intervenções do FMI. Enquanto cortaram créditos ao governo de Cristina Kirchner, na chegada de Macri restabeleceram imediatamente as linhas de financiamento, inclusive para pagamento dos débitos com os chamados fundos abutres.
O objetivo era claro: sustentar Macri para levá-lo a uma reeleição tranquila, este ano. Deram com os burros n’água. Neste momento, Macri já tem data marcada para deixar a Casa Rosada e entregar o governo à oposição.
O mais novo fiasco do FMI no laboratório de crises da América Latina é o Equador. Neste caso, o fundo parece disposto a tudo. Depois de dois anos de imposição implacável de políticas neoliberais, um povo que tinha experimentado um período de grandes conquistas econômicas e sociais com o governo de Rafael Correia cansou e tomou as ruas. Liderado por milhares de indígenas, que representam 25% da população do país, o povo equatoriano, disse não a um pacote desumano, inspirado pelo FMI e baixado pelo governo de Lenín Moreno: cortes de subsídios e aumento de 123% nos combustíveis, contrarreforma trabalhista que extinguiu direitos históricos, dilapidação do estado e aumento abrupto do desemprego e da pobreza.
O ambiente no Equador é grave, pois a reação do governo é a mais brutal repressão de todos os tempos. Mesmo assim, o presidente teve de fugir da capital e o povo nas ruas grita, uma de suas palavras de ordem: “Nós só sairemos daqui quando o FMI sair”.
Extremamente grave é o que denuncia o Movimento da Revolução Cidadã, que agrupa lideranças progressistas partidárias do ex-presidente Rafael Correa: “o Equador está se tornando, sob os auspícios do FMI e de Lenin Moreno, uma ditadura que pratica terrorismo de Estado.
O Movimento da Revolução Cidadã solicitou à Comissão de Direitos Humanos da OEA medidas de precaução para evitar danos irreparáveis à vida, liberdade e integridade pessoal dos deputados, da governadora de Pichincha, província que tem Quito como capital, e do Secretario Executivo. Isto porque o governo Lenin Moreno tenta manipular e falsificar a realidade atribuindo ao movimento de oposição os efeitos desastrosos decorrentes de sua política neoliberal e de sua adesão ao receituário do FMI. Por isso, prendem a governadora e também o secretario Executivo, perseguem o ex-presidente Rafael Correa, que teve de asilar-se na Bélgica, o ex- chanceler Ricardo Patiño, a deputada Gabriela Rivadeneira, e reprimem ferozmente os militantes que se erguem contra os desatinos do governo e do FMI.
A OEA deve se posicionar e tomar medidas contra os atropelos e as ações repressivas do Governo Moreno, que são uma demonstração cabal de desrespeito aos direitos humanos e aos fundamentos do Estado de Democrático de Direito.