Por Neil Irwin, do New York Times
Suas ações, segunda-feira, mostram que fará tudo que for necessário para enfrentar a evidente falta de dólares em toda economia.
As ações extraordinárias do Federal Reserve, na segunda-feira, podem ser resumidas em duas sentenças: há uma falta de dólares se desenvolvendo rapidamente em toda a economia, e o FED fará tudo que for necessário, em qualquer escala imaginável, para pôr fim a essa escassez.
Esse anúncio foi feito no burocratês seco, típico das declarações de um banco central. Mas contém uma ideia poderosa: o FED, a única entidade no mundo com poder para criar dólares do nada, tem toda a intenção de fazê-lo, qualquer que seja a magnitude necessária para tentar reduzir a severidade e limitar a duração da crise econômica do coronavirus.
“O FED está comprometido a usar toda sua gama de instrumentos para dar suporte às famílias, às empresas e à economia dos EUA, durante todo esse período desafiador”, é como a declaração começa. Diferentemente de algumas declarações importantes dos banqueiros centrais, essa estava acompanhada por ações adequadas à dimensão das palavras.
São realmente duas crises distintas que o FED está tentando resolver, com sobreposição de instrumentos.
Uma é a crise já em andamento, na qual os mercados financeiros estão quebrando e fracassando da mesma forma que aconteceu na crise financeira de 2008 – ameaçando tornar pior a crise econômica.
A outra é a ameaça generalizada de quebras empresariais que pode criar uma situação massiva de falências, deixando milhões de norte-americanos desempregados mesmo depois que o vírus for contido.
Este novo “quantitative easing” em aberto – sinalizando que o FED comprará títulos do Tesouro e dará suporte à securitização de hipotecas em qualquer quantidade necessária – tem um primeiro objetivo, que é fazer os mercados financeiros funcionarem como é usual. Nas últimas 3 semanas, os mercados financeiros paralisaram enquanto toda sorte de investidores acumulavam cash e se livravam de todo o resto.
Um ciclo vicioso estava em andamento. Investidores temerosos vendiam ativos para levantar caixa, o que derrubava os preços desses ativos, e espalhava mais medo e o desejo de acumular caixa. Isto por sua vez causava uma escassez de crédito, ou tornava-o disponível apenas a custos elevados, para todos: corporações, estados e governos locais, pessoas procurando empréstimos para hipotecas, e mesmo, em alguns momentos, para o próprio governo americano.
No mesmo momento que o FED queria tornar os empréstimos mais amplamente disponíveis a fim de ajudar a economia, o oposto acontecia.
A resposta do FED está muito em linha com suas ações em 2008 e 2009, cujo objetivo era criar uma barreira de dinheiro para deter esse ciclo. Oito dias atrás o Banco Central anunciou US$700 bilhões em compra de títulos para servir de barreira. Agora está sendo dito que pode ser maior, plausivelmente, na casa dos trilhões de dólares.
Para dar contexto, na fase inicial da crise, no outono de 2008, o tamanho do orçamento do FED aumentou em US$1,3 trilhões. Analistas do Everscore ISI estimaram, na segunda-feira, que o aumento neste episódio poderia acabar sendo da ordem de US$5 trilhões.
Tornar mais normal o funcionamento dos mercados financeiros não será suficiente, dado o perigo enfrentado pelas empresas americanas. E aí é que está a segunda parte.
Para fazer face à crise de fluxo de caixa que milhões de empresas enfrentam, o Banco Central, com uma grande ajuda do Tesouro dos EUA, está seguindo uma estratégia multifacetada que foca em empréstimos com termos favoráveis, para as empresas que enfrentam dificuldades.
Para beneficiar as grandes empresas que são capazes de tomar dinheiro nos mercados financeiros
emitindo dívida, o FED está criando dois novos programas para comparar títulos corporativos. Outro programa, esse reeditado da crise de 2008, é injetar dinheiro nos empréstimos para consumidores e pequenas empresas.
Curiosamente, O FED pretende criar um programa de empréstimo denominado Main Street Bussiness, para canalizar dinheiro para empresas menores, que não têm acesso aos mercados de dívida de Wall Street. A ideia é que as pequenas empresas poderão tomar emprestado recursos para ajudar no pagamento da folha de pagamentos, nos aluguéis e em outras obrigações, durante a crise, com carência de seis meses para pagamento dos juros e do principal e amortização nos próximos quatro anos.
O desafio econômico central, agora, é assegurar que as pequenas empresas, até então sólidas, não sucumbam à crise –mesmo que seus rendimentos despenquem ou mesmo que fechem temporariamente e possam reabrir assim que a crise passar, retomando seu papel produtivo na economia.
Esses programas baseiam-se em “special propose vehicules”,os quais incluem também investimento do Departamento do Tesouro. De fato, o Tesouro está colocando dinheiro com o Fed, bombeando parte dos recursos. Inicialmente essas somas chegaram até US$300 bilhões, e poderão atingir valores maiores se o Congresso der ao Tesouro capital adicional, para esses estímulos, em negociações que estão em andamento.
A situação política no “Capitol Hill” é fluída e alguns democratas estão relutantes em dar à administração Trump o que equivaleria a um cheque em branco. E não se sabe quão efetivos serão os programas do FED ao colocar recursos nas mãos das empresas “pobres em caixa” e prevenir uma cascata de falências.
Mas o que está se tornando claro é que o teste para Jerome Powell e seus colegas não é mais se eles compreendem a escala da crise que a economia enfrenta. Está evidente que eles compreendem. Agora é sobre fazer funcionar bem o suficiente os detalhes burocráticos para colocar dinheiro onde ele é necessário.
(Com foto de Jerome Powell, presidente do FED)