A presidente eleita Dilma Rousseff concedeu entrevista ao SBT, nesta quarta-feira (29), no Palácio da Alvorada. Dilma afirmou que o vice-presidente Michel Temer age com “absoluta irresponsabilidade fiscal” ao conceder reajustes salariais ao funcionalismo público.
A presidenta também afirmou que se sente “mãe” dos Jogos Olímpicos e que gostaria de ser convidada para a cerimônia de abertura. Afirma, no entanto, que Lula é o “pai” dos jogos.
Além disso, Dilma declarou que o Congresso está usando o impeachment como se a administração dela “fosse um governo parlamentarista”. O presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), também foi citado na conversa com o jornalista. A presidenta alerta que ele é uma ameaça “integral” e “em todos os sentidos” a Michel Temer.
Confira a íntegra da entrevista:
Kennedy Alencar: Presidente, tudo bem com a sra?
Dilma Rousseff: Dentro das possibilidades de ter recebido um afastamento, está tudo bem comigo. É uma guerra.
KA: Vamos começar falando dessa guerra. Teve uma perícia do Senado sobre as chamadas pedaladas fiscais e os decretos de liberação de verba. Diante do resultado dessa perícia, a sra. pretende recorrer ao Supremo para que haja uma análise do mérito se a sra. cometeu crime de responsabilidade ou a sra. travará apenas uma batalha política no Senado, no voto?
DR: Primeiro, nunca a batalha, no caso do impeachment de uma presidenta, dentro dos parâmetros da Constituição brasileira, é pura e simplesmente uma batalha política. É sempre uma batalha jurídico-política. Porque o impeachment está previsto na Constituição. No entanto, é exigido que haja crime de responsabilidade.
O que é o resultado da perícia feita pela comissão do Senado? Constata-se que não há a minha participação no Plano Safra. Ou seja, na transferência de recursos para financiar a agricultura comercial e a agricultura familiar. Como não há nenhum ato meu, como, aliás, nós insistimos nisso desde o início, dizendo que não há previsão de participação presidencial na execução do Plano safra, então, não há como dizer que eu cometi qualquer irregularidade.
Não estou falando nem crime, nem sequer irregularidade, quando se trata de pedaladas fiscais. No caso dos decretos também. O que é acusado nos decretos? É que alguns dos gastos dos decretos ultrapassavam a meta.
KA: A meta que estava autorizada pelo Congresso na época, os três decretos, não é isso?
DR: Isso, três decretos. Ocorre que também ficou claro que em nenhum momento houve qualquer esclarecimento da análise técnica, de todas as instâncias técnicas que são consideradas para que você aprove um decreto de crédito suplementar.
Também não há nenhum indício de que havia ultrapassado a meta fiscal. Então, o que é a conclusão sobre as duas questões que estão envolvidas nesse processo de impeachment? A conclusão é que, de fato, não se pode falar em crime de responsabilidade.
KA: Isso não reforça o caminho para o Supremo?
DR: Primeiro, reforça o caminho para o Senado. Eu vou tentar explicar por quê.
KA: A sra. vai, então, travar primeiro a batalha no Senado?
DR: Eu vou travar uma batalha em todas as instâncias. A primeira fase dessa batalha é no Senado. Porque nós estamos defendendo que há um golpe. E há um golpe porque, para nós, quando se rompe artigos da Constituição que preveem, de fato, o processo de impeachment, mas preveem também que é necessário crime para haver impeachment, não tendo crime, não pode ter impeachment. E nós devemos travar essa batalha em todas as instâncias.
KA: Então, se eu entendi, primeiro a batalha é no Senado e, eventualmente, se for aprovado o impeachment, outra batalha no Supremo.
DR: Outra batalha no Supremo. Sempre vai ter o Supremo como recurso de última instância. Nós vamos avaliar quando vamos travar essa batalha. Porque tem uma razão de fundo: quando se discute se é ou não é um golpe, uma das alegações é que não é um golpe porque não se trata de um golpe militar.
KA: E porque o Supremo está referendando todos os passos do processo e, até agora, não fez uma intervenção para barrar. As pessoas que argumentam que não é um golpe dizem que o Supremo está endossando o que está sendo feito.
DR: Não foi. Em circunstância nenhuma, me desculpa, o Supremo fez qualquer análise sobre o mérito desse processo. O Supremo não está endossando o processo. Pelo contrário, o Supremo está dizendo que a análise do mérito não é dele. O Supremo, portanto, não está endossando de maneira alguma o processo.
KA: Então, ele está se omitindo na análise de se é golpe ou não?
DR: Eu acho que, como o processo está ouvindo agora as testemunhas e a perícia, que acabou de ter o resultado, esse processo ainda tem várias etapas. Mas eu quero explicar por que não se trata de um único caminho. Por um motivo muito simples. Se você imaginar que a democracia é uma árvore, um golpe militar seria a utilização de um machado para cortar a árvore, acabando com o governo e com o regime democrático, que é a própria árvore.
Neste caso, dos chamados golpes parlamentares ou golpes frios, como os alemães chamam, trata-se de um processo no qual a árvore da democracia está de pé. Ela não foi morta, não foi derrubada. Mas ela está infestada de parasitas, fungos, principalmente quando se trata de um processo sem base legal. Por isso, é fundamental que haja base legal.
A não existência de base legal fere a Constituição de morte. Nós não vivemos num regime parlamentarista. Num regime parlamentarista, você pode alegar desconfiança sobre o primeiro ministro; e o parlamento o afasta. Ou o primeiro ministro considera que aquele parlamento, na sua composição, não está à altura do governo. Então, ele pede dissolução do parlamento.
KA: Então, na sua avaliação, estão usando o impeachment como um instrumento do sistema de governo parlamentarista contra a senhora?
DR: Como se fosse um governo parlamentarista.
KA: Um voto de desconfiança, uma moção de censura.
DR: Eu acredito que quem fez isso, os autores do processo de impeachment, como não tinham como alegar contra mim contas no exterior ou qualquer ato de corrupção, alegaram as chamadas pedaladas, criaram essa figura chamada pedalada fiscal.
Ora, mesmo no caso das pedaladas fiscais, até outro dia, todos os decretos que eu fiz foram feitos igualmente pelo sr. Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, e pelo sr. Luiz Inácio Lula da Silva. E por mim mesma no meu primeiro mandato. E não era crime.
KA: O TCU mudou o entendimento, não é?
DR: Ele mudou o entendimento daqui para a frente. Ele não pode mudar o entendimento daqui para trás. Quando mudou o entendimento, era final do ano de 2015. Então, não há como se falar de crime de responsabilidade. Se não tem crime de responsabilidade, é golpe. Se é golpe, você está em um processo de abafar as instituições. Por isso, nós temos de levar a discussão ao Senado.
KA: A sra. não acha que o Supremo está endossando um golpe?
DR: Eu acho que de maneira alguma o Supremo está fazendo isso. Pelo contrário. Até hoje, o Supremo se manifestou sobre o processualístico, sobre o processo. Ele disse que não podia ser um processo do jeito que o presidente naquela época em exercício na Câmara dos Deputados entendia.
KA: Mas ele está jogando o mérito todo para o Senado. Está falando o seguinte: o processo de impeachment é uma batalha mais política do que jurídica. Até agora, as manifestações foram nesse sentido. O mérito cabe aos senadores. O Supremo tem agido assim.
DR: Enquanto os senadores não julgarem o mérito, não tem o que ser julgado pelo Supremo. É nesse sentido.
KA: Essa é uma batalha posterior. Está clara a visão da senhora.
DR: Por que a gente tem de ir a todas as instâncias? Por que a gente tem de ir no parlamento e também no Judiciário? Porque a única forma de você combater um impeachment deste tipo é você oxigenar as instituições com diálogo, com debate, com crítica, discutindo o fundamento desse processo.
KA: Presidente, nessa guerra pelos votos, o presidente interino, Michel Temer, deu uma entrevista ao SBT dizendo que os articuladores dele afirmam ter entre 58 e 60 votos para aprovar definitivamente o impeachment. Qual é a contabilidade da sra. e de seus articuladores no Senado?
DR: Nós acreditamos que temos votos suficientes para derrotar o impeachment. Agora, nessa altura, ficar dizendo qual é o marcador é como você entrar numa disputa que vai ser daqui a um mês, por exemplo, uma disputa de futebol entre o meu time, o Grêmio, e o Internacional, e ficar dizendo qual é o resultado.
KA: Mas, nas duas partidas que houve antes, o placar deles estava certo. Na votação da Câmara, em 17 de abril, e pelo afastamento, em 12 de maio. Eles ganharam aquelas duas primeiras batalhas.
DR: Sem dúvida, eles ganharam. Nós não temos o que dizer a respeito porque isso é palpável. Também ninguém pode dizer que todos que votaram pela admissibilidade votarão pelo mérito. Até porque eles disseram, os próprios senadores que votaram, que era só a aceitação. Muitos senadores votaram exclusivamente pela aceitação do processo.
KA: Hoje a senhora está segura que não tem voto para aprovar o impeachment?
DR: Eu estou segura de que eu lutarei para ter todos os votos. Até porque é algo extremamente delicado ficar dizendo quem é a favor. Eu tenho o meu início, que são os meus 22 votos, os que votaram em mim. E nós temos que conquistar em torno de seis votos.
KA: E ter os 27 para impedir.
DR: Seriam 28.
KA: Exatamente, eles têm de ter 54, no mínimo. São 81 no total. São seis que a sra. precisa, levando em conta a votação do afastamento em 12 de maio. A sra. pretende escrever uma carta ao povo brasileiro dizendo quais compromissos teria um governo da sra. daqui em diante se retornar ao poder?
DR: Tanto os senadores que me apoiam quanto os movimentos populares, a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo e o meu próprio estafe, nós estamos avaliando uma carta. Uma carta de compromisso à nação, dizendo quais são os nossos compromissos estruturais em relação ao Brasil.
KA: Quais seriam, presidente?
DR: Como eu ainda não formulei a carta, eu posso te dizer em geral. Eu acho que o nosso primeiro compromisso é com a democracia, porque é inadmissível que o Brasil tenha um retrocesso nessa área. E métodos antidemocráticos, como tem sido esse processo de impeachment sem base legal. Na verdade, trata-se muito mais de uma eleição indireta do que um processo de impeachment.
A julgar pelo que diz, por exemplo, a própria líder do governo, a senadora Rose de Freitas, que foi, aliás, a presidente da Comissão de Orçamento durante todo o ano de 2015, ela reconhece que não tem pedalada. Ela reconhece que não tem crime aí. E ela diz que está sendo julgado pelo conjunto da obra.
Ora, o conjunto da obra pode ser algo que a senadora tenha restrições, mas a senadora não tem nenhum poder para cassar meus 54 milhões de votos. Qualquer tentativa nesse sentido é uma eleição indireta.
Então, resgatar a democracia. Outra questão fundamental é devolver os direitos que estão sendo retirados do povo brasileiro. Eu te digo um: hoje, por exemplo, depois de nós insistirmos sistematicamente que era um absurdo não darem o reajuste do Bolsa Família, eles deram o reajuste.
KA: Até superior, de 12,5% na média.
DR: Sim, mas por que superior? Porque ele era 9% em abril. Passou maio e junho e eles têm de acumular a inflação. Eles não deram antes porque não têm compromisso com o povo. O reajuste do Bolsa Família, quando era 9%, era R$ 1,1 bilhão. Não vai ficar mais do que R$ 1,2 bilhão ou R$ 1,3 bilhão.
É um reajuste muito pequeno diante do reajuste que eles deram, nada contra o funcionalismo, mas que eles deram para aqueles setores dentro do funcionalismo público que mais ganham. O reajuste, neste ano, foi de R$ 7 bilhões. A proposta que foi encaminhada para o Congresso, de reajustar em R$ 67 bilhões.
KA: O Temer está agindo com irresponsabilidade fiscal, no seu entender?
DR: Eu acho absoluta irresponsabilidade fiscal. Mas, mais ainda, é irresponsabilidade fiscal combinada com a injustiça. Que bom que hoje eles caíram em si. Porque nós viemos sistematicamente denunciando esse absurdo, que é dar para os que menos precisam R$ 7 bilhões de reajuste. E deram espontaneamente. Para conseguir o reajuste do Bolsa Família, leva um tempo, leva um grande processo de discussão e de críticas da nossa parte.
KA: Pouco dinheiro e atende muita gente. Presidente, para ficar muito clara essa ideia sobre um possível plebiscito com a pergunta se deve ser antecipada a eleição presidencial de 2018: se a sra. voltar ao poder, vai propor isso, é uma decisão, ou a sra. vai discutir se haverá uma proposta?
DR: Hoje, está sendo discutido se haverá uma proposta. Porque não há consenso a esse respeito.
KA: Mas é importante a sua opinião. Se a sra. fala “eu vou propor”, isso tem um peso. A sra. vai propor?
DR: Eu não sei se você sabe, mas a proposta passa…
KA: Tem de ser aprovada no Congresso.
DR: Primeiro, tem de ser por iniciativa de um terço da Câmara ou do Senado. E depois, tem de ser por maioria simples no Congresso.
KA: Mas o peso do apoio do presidente da República é importante. A minha pergunta é: a presidente Dilma, no poder, vai apoiar ou vai discutir?
DR: Não, querido, não é assim simples. Uma coisa muito importante para mim é manter a unidade daqueles que me apoiam hoje. E que me apoiam num momento extremamente difícil. São senadores, são pessoas integrantes do movimento social, um conjunto de pessoas intelectuais, reitores etc. Essas pessoas têm uma diferença de opinião. Alguns são a favor, outros são contra.
Se os 28 ou, no caso, os 27 senadores me propuserem isso, eu vou endossar o que os senadores propuserem. Agora, eu não vou tomar a iniciativa de fazer isso como minha. Há um consenso entre todos nós, um único consenso amplo sobre a questão democrática. Em qualquer hipótese, para se afirmar a democracia no Brasil, essa afirmação passa por um requisito: a minha volta à Presidência da República com plenos direitos.
Eu acredito que o plebiscito pode ser ou talvez venha ser, no curto prazo, uma alternativa. Mas há que ter apoiadores. O plebiscito não é uma questão diz respeito a uma ideia minha sozinha.
KA: O argumento, presidente, é que se a senhora disser “eu vou apoiar”, teria mais votos agora para barrar o impeachment. Esse é o argumento que aliados da sra. no Senado apresentam: a Dilma deveria propor e ser firme porque ela teria mais votos.
DR: Meu querido, se for necessário que eu faça isso, eu farei. O que eu não sei é se é esse o entendimento do conjunto dos senadores. Eles estão agora nesse processo de construir isso.
KA: Então, está clara a posição da senhora. Já ganhei dois “meu querido” aqui, estou indo bem… [risos]
DR: Agora virou moda a gente falar “olá, querida”, porque o Lula falou para mim. Eu queria falar uma coisa. Nessa questão, eu sou um pouco gata escaldada. Porque logo depois das manifestações de 2013, nós entramos também com uma proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte.
Porque ali tinha ficado claro um imenso mal-estar da população brasileira com o sistema político. Uma crise de representação. Então, nós propúnhamos uma discussão forte, dentro de uma Constituinte exclusiva, sobre duas coisas: reforma política, do ponto de vista eleitoral, e também sobre a questão da representatividade, como seriam esses critérios.
Infelizmente, o Congresso não foi sensível a isso. Então, é muito importante para mim que os senadores endossem uma proposta junto comigo. Porque, se endossarem, eu concordo contigo, será uma proposta forte. Mesmo que seja de um terço dos senadores, porque ela vai transitar. Aí eu posso te dizer com toda certeza: eu estaria disposta. Agora, mantendo isso que todos os meus apoiadores dizem. É fundamental que eu volte para que esse processo ocorra.
KA: Presidente, a área econômica é muito importante. Temer assumiu o poder e trocou o presidente do Banco Central, trocou o ministro da Fazenda. O ex-presidente Lula defendia que o Henrique Meirelles fosse ministro da Fazenda da sra. Se a sra. voltar ao poder, o Meirelles fica na Fazenda ou ele tem que sair e tem que ter ministro novo?
DR: Eu acredito que essa é uma discussão a posteriori. Ela não deve ser feita agora. Mas eu achei muito interessante uma contradição que foi flagrantemente colocada a público na sexta-feira passada. Nós todos assistimos à saída do Reino Unido da União Europeia.
Nessa oportunidade, enquanto a Fazenda falava sobre os fundamentos sólidos do Brasil, quais sejam: reservas de 376 bilhões de dólares, um fantástico aumento do investimento externo direto de 79 bilhões, quase 80 bilhões de dólares, no ano passado e também um aumento do superavit comercial, dizendo que o Brasil tinha condições sólidas para resistir a qualquer volatilidade, o presidente interino, provisório, dizia o seguinte: há uma herança nefasta que ele recebeu nesse um mês e pouco.
KA: São mais de 11 milhões de desempregados, a inflação está num patamar alto, os juros estão altos…
DR: Eu sei, querido. A inflação está num patamar alto, embicando para baixo.
KA: Mas fora da meta, não é, presidente?
DR: Sim, mas caminhando para a meta.
KA: Só no ano que vem?
DR: É, esse é um processo de difícil articulação. Nós fizemos um grande ajuste para a inflação cair. Os juros cairão, eu tenho certeza absoluta de que, ainda nesta segunda metade do ano de 2016, existem todas as condições, porque nós deixamos essas condições prontas, para os juros caírem. Eu não acredito que, em um mês e 15 dias, sejam responsabilidade deste governo os fundamentos sólidos deste país.
Os fundamentos sólidos deste país são responsabilidade tanto do meu governo, como do presidente Lula. Eu recebi o governo do presidente Lula com duzentos e cinquenta e poucos bilhões de dólares de reservas. E deixei, no dia 12, com 376 bilhões de dólares.
KA: O STF só analisou o pedido do Rodrigo Janot de afastamento do Eduardo Cunha no dia 5 de maio. Janot fez o pedido em dezembro. Se o Supremo tivesse feito essa análise em dezembro, quando o procurador-geral pediu, ou em fevereiro, na volta do Judiciário aos trabalhos, a sra. Acredita que o resultado da votação do impeachment na Câmara teria sido outro?
DR: Eu acho que qualquer pessoa concorda comigo, pelo menos criaria um clima muito ruim para esse processo de impeachment. Que foi aceito pelo Cunha como uma vingança, um claro desvio de poder. Como nós não demos os três votos para ele ser absolvido de todas as irregularidades que ele cometeu na Comissão de Ética, ele disse para toda a imprensa que aceitaria o processo de impeachment.
KA: Claramente, foi uma retaliação. Se o Supremo tivesse julgado antes mudaria o resultado?
DR: Eu acho que, pelo menos, deixaria esse resultado tão claro quanto possível.
KA: Mas não mudaria, então?
DR: Acho que criaria muito desconforto…
KA: Seria mais difícil aprovar o impeachment?
DR: Eu acho que seria muito mais difícil. E criaria um desconforto. Porque, veja, se o próprio autor do pedido de impeachment pelo PSDB, Miguel Reale Jr., disse que era uma chantagem explícita de um sr. que queria absolvição porque era visivelmente culpado, você não acha que comprometeria ainda mais esse processo de impeachment? Eu acho que comprometeria. Mas ele já está comprometido, esse processo tem um pecado original. O pecado original tem nome: chama-se Eduardo Cunha.
KA: Presidente, tem uma avaliação de que a sra. fracassou na articulação política. Porque a sra. não conseguiu ter os 171 votos na Câmara para evitar a abertura desse impeachment. Foi aprovado por 367 votos. O afastamento, por 55 votos no Senado. A sra. Não perdeu a condição política de governar?
DR: Se isso fosse razão para se afastar um presidente no presidencialismo, por que não afastaram o Obama, que não tinha nem a maioria no Senado nem a maioria na Câmara? Nós temos de parar de ter essa opinião golpista a respeito do processo político.
KA: A legislação não é muito ampla sobre o processo de impeachment?
DR: É…
KA: Permite enquadrar qualquer coisa como crime de responsabilidade?
DR: Deixe eu responder a primeira. O Fernando Henrique precisou de três partidos para fazer maioria simples. E de quatro para fazer dois terços. O Lula precisou de oito e onze. Eu precisava de 14 e de 20.
KA: Muita fragmentação partidária.
DR: Então, tem um problema no Brasil que não diz respeito à governabilidade pura e simples do trato e do acordo no Congresso. Diz respeito ao fato de que é um sistema político fragmentário, extremamente pouco programático, muito fisiológico. Porque vive sem um quadro partidário que dê uniformidade aos pleitos.
KA: A sra. já falou inúmeras vezes que não houve caixa 2 em nenhuma de suas campanhas. Os jornais e revistas publicaram matérias e reportagens dizendo que o Marcelo Odebrecht, numa delação premiada, apontará caixa 2 na campanha de 2014 e que ele relatará uma reunião com a sra. na Cidade do México em que ele teria feito uma advertência de que os investigadores poderiam descobrir um pagamento no exterior para o João Santana, que foi marqueteiro da sra.
A sra. já disse que teve o encontro, que não houve esse tipo de conversa e que não teve caixa 2 na sua campanha. A delação premiada demanda provas. O Marcelo Odebrecht está mentindo ou algum auxiliar da sra. ou dirigente do PT pode ter feito com a Odebrecht um acordo de caixa 2 sem a sra. saber?
DR: Quem é o informante de dentro do processo de delação premiada do Marcelo Odebrecht que fornece essas informações? Se pelo menos o próprio jornal informa que esse processo ainda não foi concluído? De onde que saem essas informações? Quem me garante que são informações credíveis e verdadeiras? Quero dizer uma coisa. Por que é que eu falo que não tem caixa 2 para o pagamento do João Santana?
Porque na eleição de 2014, você pode olhar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), eu paguei para o João Santana R$ 70 milhões. O candidato adversário pagou a metade. O que eu tinha de pagar a mais para o João Santana que era necessário pagar em caixa 2? Qual é a atividade que o João Santana prestou que envolvia pagamento além de R$ 70 milhões?
Se eu tivesse, por exemplo, pago R$ 10 milhões, diriam “pagou pouco, subestimou. Então, tem de ter caixa 2”. Eu queria entender, primeiro, que tipo de acusação é essa. Onde que foi? Paguei para quê? Qual é o meu interesse de pagar caixa 2 tendo pago R$ 70 milhões? Eu tenho consciência de que não recebi dinheiro em caixa 2. Tenho consciência, inclusive, que essa foi a orientação que foi seguida pelo meu tesoureiro. O meu tesoureiro é o tesoureiro da minha campanha, vai prestar contas da minha campanha.
KA: O ministro do STF Dias Toffoli revogou hoje a prisão preventiva do Paulo Bernardo. A sra. não comentou quando ele foi preso. Ele foi o primeiro ministro da sra. a ser preso. Toffoli acha que não há motivos para essa prisão preventiva. A senadora Gleisi chamou de uma prisão espetacular. Qual é a sua opinião sobre a prisão e sobre a decisão do Dias Toffoli?
DR: Eu considero que o Supremo tem tido uma posição bastante correta quando se trata de impedir que as prisões passem a ser algo que tenha outro sentido que não aquele previsto na lei. Porque a lei é clara a respeito de prisão, principalmente preventiva.
Prisão preventiva é para impedir que a pessoa cometa algum ato delituoso ou continue cometendo. Ele estava investigado há um ano. Então, eu acredito que foi uma decisão muito prudente, muito firme do ministro Toffoli. Eu geralmente não comento, mas vou explicar uma coisa.
Eu lutei muito para ter no Brasil uma legislação anticorrupção. Quero lembrar que, em 2013, eu enviei e foi aprovada pelo Congresso, a Lei das Organizações Criminosas, que, pela primeira vez, colocava como um dos seus artigos a punição do corruptor e não só do corrupto, como era praxe no Brasil.
Em segundo lugar, essa lei também previa o estatuto da delação premiada. Eu sou uma defensora, por exemplo, da lista tríplice e da escolha do mais votado pelo Ministério Público para evitar engavetamentos. Mas eu também não concordo, de maneira alguma, com a utilização de qualquer processo de investigação de corrupção para atingir outros fins que não sejam eliminar a corrupção no Brasil.
KA: Na Lava Jato, o Sérgio Moro, quando divulgou aquele áudio da sra. com o Lula, que depois foi invalidado pelo Teori Zavascki, contribuiu para o impeachment ser aprovado?
DR: Eu não tenho como avaliar isso. Mas eu posso te dizer que eu acho que ele, ali, cometeu uma grande irregularidade. Em qualquer outro país do mundo _ e não é a primeira vez que eu falo isso, na ocasião eu falei _ vazar um áudio da presidente da República seria crime contra a segurança nacional. Principalmente quando não foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal. Quando é autorizado pelo STF não é crime. Mas quando não é, é contra a segurança nacional.
KA: Em entrevista ao SBT, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, disse: “Não há dúvida de que houve erro de condução na política econômica no governo Dilma”. Apontou erros, na avaliação dele, nas políticas fiscal e monetária e na administração de preços públicos, como controlar tarifas e congelar o preço da gasolina, por exemplo. Olhando os resultados do seu governo, a sra. não cometeu erros na política econômica? Não falta uma autocrítica da sra. em relação a escolhas que a sra. fez e que pioraram a economia?
DR: Por que é que falam em congelamento do preço da gasolina só quando o petróleo sobe? Por que ninguém sequer mencionou a estabilidade dos preços da gasolina ao longo dos últimos tempos quando o preço do petróleo tem sido decrescente?
KA: A sra. não acha que errou, presidente?
DR: Eu só fiz essa pergunta porque é muito fácil você criticar algo de fora. É bem mais fácil.
KA: E depois que já passou, também. Mas, durante o seu governo, havia críticas à política econômica e à forma como a sra. a conduzia. Intervenção muito exagerada do Estado, excesso de desonerações fiscais. Esse preço da gasolina, por exemplo, era uma decisão política que a sra. tomou junto com a Graça…
DR: Não foi isso, não.
KA: Não foram escolhas da sra.?
DR: Foram escolhas, sim, mas não foi essa a escolha. A escolha é a seguinte: você não faz ajuste no preço do petróleo de forma abrupta porque você tem sempre, no caso do petróleo, movimentos para cima e para baixo. Se você acompanhar isso de forma sistemática e abrupta, você cria uma instabilidade bastante grande num preço que é fundamental para o país, como é o caso do diesel.
KA: A sra. acha que foi correto naquele momento?
DR: Tenho absoluta certeza que, no caso do petróleo, foi correto. Isso não afasta que eu possa ter cometido [erros] em outras áreas. No caso da energia elétrica, eu queria me adiantar. O que não queriam que eu fizesse? Depois de vencido o contrato de concessão de 30 anos e renovado o contrato de concessão de mais 30 anos, para que manter as empresas que receberam a concessão cobrando do consumidor?
Tinha de devolver para o consumidor, isso está no contrato. Todos nós defendemos isso, o Brasil tem de respeitar contrato. Respeita-se o contrato tanto quando é desfavorável para a população, porque foi contrato feito, mas também quando é favorável. O que não é possível é só respeitar quando a população perde e quando ela ganha, não.
KA: Numa das entrevistas recentes, a sra. disse que o maior erro que cometeu foi ter feito aliança com o PMDB e ter dado crédito ao Temer, que a sra. considera um usurpador. Eu me lembro que, na virada de 2014 para 2015, a sra. e o Aloizio Mercadante, que era o ministro da Casa Civil, montaram uma estratégia com o Pros e com o PSD do Gilberto Kassab, que viria a trair a sra. e hoje já é ministro do Temer, para fazer um contraponto ao PMDB. Na política, o erro da sra. não foi hostilizar o seu principal aliado, o PMDB?
DR: Eu acredito que houve um pacto na Constituinte de 1988. E, nesse pacto que saiu da redemocratização, foi muito importante o centro democrático, que era representado pelo MDB. De lá para cá, todos, ou quase todos, os governos recorreram a uma composição, uma coalizão. E o centro, que justamente foi herdado pelo PMDB, era um centro democrático, progressista e muito consistente.
Isso veio mudando ao longo do tempo. E, na metade do meu segundo mandato, quando o sr. Eduardo Cunha assume a liderança e na sequência disso, principalmente quando ele assume a presidência da Câmara, assume a presidência de um Poder, a hegemonia dentro do PMDB se desloca para a direita e ele tem um programa. Portanto, não há que falar de acordo com quem tem um programa extremamente conservador em todas as áreas, em especial em relação a direitos individuais e coletivos.
KA: Mas o PSD e o Pros são menos conservadores do que o PMDB?
DR: O Pros não tem tanta base. O PSD é o seguinte, nunca foi uma aliança que não teve todos esses partidos. Na verdade, o centro é integrado pelo PMDB, pelo PP, pelo PR, pelo PSD e pelos pequenos partidos. Mas essa parte é o grande centro.
KA: A sra. acha que foi correto o enfrentamento na época, então?
DR: O enfrentamento não foi com o Temer, foi com o Cunha. Com o Cunha, não tem negociação possível. Tem enfrentamento.
KA: Presidente, O COI (Comitê Olímpico Internacional) convidou a sra. para a abertura da Olimpíada? A sra. vai participar, já está convidada?
DR: O COI não me convidou. Eu acredito que eventualmente convidará, não sei.
KA: A sra. gostaria de comparecer?
DR: Eu gostaria. Por um motivo muito simples: eu fiz todas as tratativas, depois os preparativos, depois as obras. Tanto na área de infraestrutura esportiva quanto na área de energia, na área de segurança pública, na área de saúde, até na construção da unidade que vai permitir que esses jogos atinjam o mundo inteiro.
Então, eu me sinto mãe dessa Olimpíada. Acho que o Lula é o pai. Porque o Lula arrancou essa Olimpíada de grandes concorrentes. Então, era absolutamente justo que eu e o Lula estivéssemos nessa Olimpíada. Se eu fosse presidente em exercício, ele estaria.
KA: Presidente, qual será a fotografia histórica do governo Dilma Rousseff?
DR: Fotografia histórica do governo Dilma Rousseff é tirar o Brasil do mapa da fome. E ter tirado, pela primeira vez, uma parte da população e, portanto, toda a população brasileira da miséria extrema.
KA: Se arrepende de algo? Faria algo diferente?
DR: Ah, a gente sempre faz. Quem não faz algo diferente… Depois que a coisa passa…
KA: O que faria diferente?
DR: Várias coisas…
KA: Um exemplo.
DR: São tão variados… Eu tenho um dado muito tradicional, eu não faria esse tipo de governo de coalizão. Ele já está absolutamente deteriorado.
KA: Mas é possível governar sem fazer coalizão?
DR: É. Eu acho que é. Principalmente se for um governo que discuta claramente com a população. A população também não pode permitir… Veja bem, o que aconteceu no domingo passado? O sr. Eduardo Cunha foi visitar o sr. presidente interino e provisório no [Palácio do] Jaburu. Não trataram de futebol, certamente. Trataram de questões que dizem respeito à governabilidade do país.
KA: Mas é impossível o Eduardo Cunha escapar da cassação, não?
DR: E será que ele, escapando da cassação ou não, perderá o controle que tem sobre uma parte da Câmara? Ele deixara de ter sido o grande fiador desse impeachment? Ele deixará de exercer [influência] sobre todo o governo provisório e interino?
KA: O Cunha é uma ameaça para o Michel Temer?
DR: Integral. Em todos os sentidos