Dilma: “Governo quer manter os pobres fora do Orçamento”
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Dilma: “Governo quer manter os pobres fora do Orçamento”

Ao jornal mineiro "O Tempo", Dilma afirma que a direita não tem um candidato à presidência para rivalizar com Lula

12/12/2017 6:16

 

Em entrevista ao jornal “O Tempo” (MG), a presidenta deposta diz que o golpe que levou Temer ao poder está aprofundando as desigualdades e comenta: a direita não tem candidato para rivalizar com Lula

 

A presidenta eleita Dilma Rousseff concedeu entrevista ao jornal mineiro “O Tempo”, publicada nesta terça-feira, 12 de dezembro, em que alerta para o aprofundamento das desigualdades no país, com a implantação pelo governo Temer da agenda neoliberal, que privilegia os ricos em detrimento dos pobres.

Na entrevista, Dilma diz que a reforma trabalhista vai piorar a situação dos trabalhadores, adverte que a reforma da Previdência não resolve os problemas do país e que a candidatura de Lula à Presidência da República é para valer.

Na conversa, cujos principais trechos estão abaixo, ela diz que o ex-presidente é vítima do lawfare, o uso da lei e da máquina judiciária como armas políticas contra adversários, e que o desespero da direita é não ter um nome que possa rivalizar com Lula, vítima de uma campanha monstruosa. “Cada vez que ele (Lula) é perseguido, atacado, mais cresce a popularidade dele. As pessoas perceberam que se trata de uma injustiça”, comenta.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A senhora tem viajado pelo país falando sobre o atual governo federal, acusando-o de levar retrocessos ao país. Quais seriam eles?

Acho que vivemos um golpe. Não um golpe em um ato. É um processo. Ele tem vários atos. O primeiro, o inaugural, é o impeachment sem crime de responsabilidade. O segundo ato fundamenta o golpe: o enquadramento do Brasil, no sentido social, econômico e geopolítico, ao modelo neoliberal. Esse golpe tem o objetivo de reduzir a presença da população pobre no Orçamento. Tirar os pobres do Orçamento. E também retirou direitos trabalhistas. Tivemos uma faculdade no Rio de Janeiro que demitiu todos os trabalhadores para depois recontratá-los no regime da nova lei trabalhista que permite o trabalho intermitente. Um absurdo.

 Governo e especialistas argumentam que uma modernização na legislação trabalhista é necessária. A senhora discorda disso?

Veja bem, no mundo inteiro houve propostas desse tipo. Qual a constatação? Ninguém vai dizer que o FMI, o Banco Mundial, ou o BIS – o banco dos bancos centrais – são radicais de esquerda. Eles chegaram à seguinte conclusão: não há indicadores de que a desregulamentação do mercado de trabalho aumente a demanda, a produtividade ou algo do tipo. Então, me desculpa, mas estamos fazendo aqui no Brasil algo que começaram a descartar no mundo desenvolvido.

 E quanto à reforma da Previdência? É necessária?

Outro absurdo. Duvido que os deputados irão aprovar um suicídio eleitoral como este. Aliás, até por isso, o governo golpista precisa do 3o tempo do golpe. Esse terceiro tempo é necessário para executar a reforma da previdência, a venda da Petrobras, da Eletrobras e promover outras reformas, que  tiram direitos. Eles precisam de tempo.

Em seu governo já vinham ocorrendo concessões na Petrobras. Um novo governo petista não promoveria esse mesmo modelo?

Aí é que está. Repito, eis o terceiro momento do golpe. Eles [a direita] queriam destruir o PT, inviabilizar o Lula e mudar inteiramente as condições para facilitar um governo deles que assumisse depois do Temer. O que os frustrou é a direita não ter candidato. O nível de desgaste ser imenso. Este é um governo que tem seus principais componentes presos, ou comprando votos de deputado para impedir que o presidente seja investigado.

Há, por parte deles, uma grande preocupação com o golpe. O Lula tem de 36% a 42% dos votos. Depois vem a extrema direita, com o (deputado federal Jair) Bolsonaro. E os candidatos deles – seja o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, seja aqueles que eram uma experiência –  o João Doria – não conseguiram sustentação. A variante Trump do outsider brasileiro não deu certo. Marina (Silva) perdeu completamente fôlego pelos equívocos de suas posições políticas. Tampouco Luciano Huck, que faria uma política social de auditório, patrocinada pela Globo.

Em sua opinião ainda tentam deter uma candidatura de Lula?

Sim, é uma situação de “lawfare”. A utilização da lei e de todos os princípios da guerra para liquidar um adversário político. No “warfare”, a arquitetura da guerra, vamos colocar assim, você destrói fisicamente o seu inimigo, com armas, com bombardeio, destruição de seu adversário, de sua população.

E essa seria a estratégia utilizada para atacar Lula?

Sim, trata-se de acabar com Lula. Por algo fantástico, absurdo. Julgam por corrupção passiva, mas para haver corrupção passiva, é necessário o ato, que geralmente chama-se de “ato de ofício”; uma lei ou um decreto, um contrato, alguma ação assim. Algo que caracterize um benefício indevido para alguém. Necessita-se ainda da contrapartida indevida, de  uma vantagem. No caso do Lula, não há esse ato de ofício. O próprio juiz Sergio Moro reconhece que ele não participou de um contrato que permita dizer que ele fez um ato de ofício.

Mas, e o suposto recebimento de um apartamento triplex como forma de propina de empreiteiras?

É a segunda coisa necessária para haver corrupção passiva, que seria a vantagem. Mas o tal do triplex não é  propriedade do Lula, que também não tem a posse dele. Pelo contrário. O apartamento integra as garantias dadas pela empresa dona do imóvel direto à Caixa Econômica Federal. Portanto, é algo que não subsiste, é fantasmagórico. Esse processo parece aquele de Nelson Mandela, que foi condenado também por processos fantasmagóricos. Esse processo tende a criar maior instabilidade no país.

Uma possível condenação do Lula no TRF-4 para, depois, ele conseguir uma liminar que lhe permita ser candidato. Isso não geraria ainda mais instabilidade? Ter um presidente eleito, talvez, mas à base de uma simples liminar. Essa seria a melhor escolha para o PT? Lançá-lo mesmo sendo condenado?

Eu acho que a pior coisa que pode acontecer no país, que de fato cria instabilidade, que cria desconfiança, que não vai levar o Brasil a se reencontrar, é a perseguição e a injustiça. O que não podemos aceitar é que se pratique uma injustiça e que se instaure um regime persecutório. O  lançamento da candidatura Lula ao Planalto é o mais certo, mais correto, não compactua com a injustiça e mostra a importância de Lula no cenário nacional. Mostra que a perseguição não conseguiu destruí-lo. Uma campanha midiática monstruosa que ninguém sofreu igual. Cada vez que ele é perseguido, atacado, mais a popularidade dele cresce. As pessoas perceberam que se trata de uma injustiça.

Isso aconteceu com a senhora? A delação de Mônica Moura atingiu em cheio a senhora, por conta do e-mail que teria sido criado para comunicação entre vocês. A sua popularidade também cresceu após isso?

Olha, meu querido, podem me virar de cabeça para baixo. Não tenho conta no exterior, não tenho grandes recursos, moro num apartamento modesto, não sou rica. Sou classe média. E mais, neste caso, é algo interessante. Acho que fui vítima. Vi blogs e a própria CPMI levantando a questão do mercado de delação premiada. E posso falar com muita clareza e tranquilidade, porque ninguém vai dizer que sou contra isso, contra investigação. O senador (Romero) Jucá foi gravado dizendo que tinham que me tirar para estancar uma sangria. Depois, fui eu que assinei (a lei) que instituiu o crime do corruptor, como também a delação premiada. Mas há uma distorção da lei que assinei para o que ocorre hoje. Na delação negocia-se  uma coisa principal, que é a liberdade. E uma segunda coisa também, que é dinheiro. Ficou claro que há negociações, como o senhor Tacla Duran, que depôs na CPMI e disse claramente que várias contas secretas do casal (João Santana e Mônica Moura) ainda não foram descobertas.

Mas, e o e-mail de Mônica Moura? A senhora nega que tenha feito?

Aquilo é falso, fantasma. O e-mail foi registrado em um cartório em Curitiba. Quem é que registrou? Um estagiário do escritório Castor. Que escritório é esse? É de um advogado irmão de um procurador. Acredito, então, meu querido, que é imprescindível que se discuta essa questão das delações. Não para impedir a investigação, não para obstar a punição dos corruptos, mas para impedir que se transforme em um mercado. E que se impeça que isso seja usado como arma política. Me diga: você tem visto alguém preso que não seja do PT?

O ex-ministro Geddel.

É o único. Mas aí, não é, meu querido, um apartamento com R$ 51 milhões é algo exagerado, não é?

 A senhora se arrepende de ter nomeado Rodrigo Janot como procurador geral da República? Ele teve uma atuação envolta da Lava Jato na promoção das delações.

Sabe o que aprendi na minha vida? Aprendi que não há arrependimento retroativo. Não tem como resolver o “e se”. “E se eu não tivesse feito”. Nunca na minha vida me dediquei a fazer isso. Até porque teve um dia que fui presa pela ditadura. Já imaginou se eu passasse a minha vida pensando ah, se eu não tivesse ido naquela hora, naquele dia, 16 de janeiro de 1970, lá, eu não teria sido torturada, não teria visto gente morrendo. Na vida não podemos pensar em arrependimento. Mas é fundamental e eu percebo que é não haver garantias quando se nomeia alguém, pois sempre há a presença de corporações. Temos de olhar é o sistema que permite que certas distorções ocorram.

Muitos membros deste atual governo participaram de sua administração. É necessário que se façam alianças assim para que tenha força no Congresso? Para ganhar eleição?

Eu acho que não devia ser necessário. Mas há uma explicação para isso. Na verdade, não acredito que esse grupo do PMDB da Câmara – (Michel) Temer, Geddel (Vieira Lima), (Eliseu) Padilha e Moreira Franco –, seja o dos dirigentes. Acho que o dirigente está preso em Curitiba e dirige esse grupo de lá. Renan (Calheiros, senador e ex-presidente do Senado) uma vez disse isso, que estava rompendo com o governo porque não é possível mais que ele seja dirigido de Curitiba por Eduardo Cunha. Digo isso, por que? Porque o PMDB no Brasil representou o centro democrático. No PMDB  havia e há setores que se comportam como progressistas e democráticos. Na história do PMDB há pessoas como Ulysses Guimarães. Esse centro democrático foi crucial para a governabilidade do país.

E a senhora considera que há uma parte “boa” no PMDB? Uma parte que a senhora toparia se coligar?

Eu coligaria com o senador (Roberto) Requião, de olhos fechados. Sei a trajetória dele.

E o que aconteceu com o PMDB?

Ele foi hegemonizado pela direita, por figuras como Eduardo Cunha. Infelizmente aqueles que apoiavam meu governo se transformaram em golpistas. Se tem algo que foi um erro, que acredito ter sido um erro, foi não ter percebido que a direção do PMDB havia sido hegemonizada pela direita. A direita mais conservadora, mais golpista, mais sem critério. E foi ela que  levou à frente o impeachment.

O impeachment foi viabilizado não por esse pessoal que hoje está no Palácio, mas por conta da liderança nefasta, criminosa, que comprou votos para o impeachment:o: o ex-deputado Eduardo Cunha. O Brasil precisa de relações sérias entre os partidos, que não passem pela compra de emendas. Não ter partidos que são sanguessugas, que não têm projeto de governo. Isso é grave e não é fruto da maldade dos homens, mas do sistema.  A cláusula de barreira que possibilitou, com sua retirada (por decisão do Supremo Tribunal Federal), uma proliferação de partidos o que é um absurdo. São 35 partidos. Mas é inconcebível que haja 35 programas distintos para o Brasil.

A solução seria uma mudança de sistema? Há quem defenda o semipresidencialismo ou o parlamentarismo.

Esse seria o quarto passo do golpe. Parlamentarismo ou semipresidencialismo é simplesmente tentar tirar a possibilidade de eleições presidenciais nas quais se dão os maiores processos de transformação. É submeter o governo a um parlamento que sempre foi conservador. Muito mais conservador do que o Executivo. Sempre.

Em Minas, ocorre algo parecido, um vice do PMDB que está rompido com o governador e que apoia o governo Temer. A senhora daria alguma dica ou sugestão a Fernando Pimentel para lidar com essa situação? Há uma parte do PMDB mineiro que defende a continuidade da aliança.

Não tenho a pretensão de dar dicas ao governador. Não é correto. Mas, como eu disse, há PMDBs e PMDBs. Essa parte que você citou do PMDB mineiro é uma parte em que há uma aliança legítima passível de  ser realizada. Ela é importante e é preciso ter uma liderança progressista do PMDB. No Brasil, ou em qualquer Estado, não há como governar sem coalizão. E se tem gente de qualidade, como é o caso do PMDB mineiro, que você citou, então é necessariamente uma grande oportunidade para uma boa coligação.

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