Réplica: Convite a repensar o desenvolvimento do país
Economista responde a coluna de Samuel Pessôa, que criticou documento elaborado por fundação ligada ao PT
Guilherme Santos Mello
O “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil” lançado pelo PT gerou uma série de reações, tanto elogiosas quanto críticas. Na Folha, uma dessas reações abriu espaço para este artigo, que busca tratar de alguns temas suscitados no debate.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que o documento apresentado não é um plano de governo nem um diagnóstico do passado (feito em outros documentos), mas um convite para pensar o futuro do país e o sentido do desenvolvimento brasileiro.
O plano parte de uma avaliação do presente, propondo medidas emergenciais, de transição e de transformação do Brasil.
Inicialmente, afirma-se como valor fundamental a defesa da vida com direitos e sustentabilidade, de onde derivam os eixos temáticos: o desenvolvimento social e a afirmação de direitos, a transição ecológica, um novo projeto de desenvolvimento, a soberania nacional, a radicalização da democracia e a refundação do estado de direito.
Do ponto de vista econômico, o plano se opõe frontalmente ao projeto neoliberal em voga nos últimos anos.
A depressão econômica e a crise social, política e civilizatória que vivemos nesse período é prova cabal do fracasso desse projeto que não apresenta nenhuma perspectiva para os quase 20 milhões de trabalhadores desempregados e desalentados, os 33 milhões de trabalhadores subutilizados, os 700 mil pequenos empresários que quebraram por falta de crédito, os 30 milhões de brasileiros que voltaram para uma situação de insegurança alimentar desde 2014 e os milhões que entraram na pobreza nos últimos anos e estão ameaçados de lá permanecer.
Nesse cenário, não é aceitável reduzir em 8% do PIB os gastos públicos em 2021 devido ao apego a uma ideologia ultrapassada, como defendem os arautos do mercado financeiro e os ideólogos neoliberais.
Diferente da certeza quase aritmética do desastre econômico e social que será o retorno ao teto de gastos em 2021, as projeções de impacto orçamentário da adoção de nosso plano são ilusões irrealistas sem nenhum fundamento, já que o documento não se presta a ser tratado como peça orçamentária.
São princípios, diretrizes, programas e políticas públicas que apontam para um novo padrão de desenvolvimento, fiscalmente ancorados na retomada do crescimento, em uma nova regra fiscal e na reforma tributária justa, solidária e sustentável, ambas já apresentadas no Congresso.
Seu objetivo é recolocar o debate do desenvolvimento no centro da agenda econômica, entendendo-o como um processo orientando por missões socioambientais, capazes de integrar o potencial inovador do setor privado com a capacidade de coordenação e planejamento do setor público.
A partir dessa formulação geral, são apresentadas propostas para transitarmos do atual cenário de caos econômico e social, causado tanto pela pandemia quanto pela destruição planejada do Estado e dos direitos sociais, para um novo quadro de reafirmação dos direitos, da soberania nacional e de transformação da estrutura social e produtiva sob novas bases.
No entanto, quando falamos em direitos, estrutura social e desigualdade, é inevitável tratar o tema em toda sua complexidade, o que explica a extensão do documento e o tratamento multidimensional dado ao tema.
Negar as várias dimensões da desigualdade é ignorar a realidade do povo brasileiro, em que a pobreza e a violência se concentram em grupos sociais vulneráveis. Nossas propostas são para todo o povo brasileiro, mas com atenção especial para os que mais sofrem e mais precisam da atuação do Estado.
*Guilherme Santos Mello – Professor do IE-UNICAMP, pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica e coordenador do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas – Economia do PT