Claudia Maria Barbosa é professora titular de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e leciona Mestrado e Doutorado em Direito nesta instituição. Mas é a luz da lógica que ela aponta falhas na sentença de primeira instância condenou Lula. Seu texto faz parte do livro “Comentarios a uma sentença anunciada – o Processo Lula”, que reproduziremos abaixo. A professora Claúdia afirma, numa de suas conclusões:
— O magistrado já deu mostras de quão dedicado (ou obcecado) é pelo seu trabalho e da sua expertise em crimes que envolvem lavagem de dinheiro. Não é plausível supor que a fragilidade lógica de sua decisão decorra de sua incapacidade. Ao contrário, o provável é que as provas trazidas pelo Ministério Público ou provocadas pelo próprio juiz tenham sido tão insuficientes, que outra construção não poderia haver para a condenação, se não o frágil e improvável discurso dos argumentos persuasivos. Na decisão prolatada, o juiz não consegue PROVAR a culpa do ex-Presidente e tampouco estabelecer o nexo causal entre a atuação do agente e a vantagem ilícita porque, de resto, NÃO prova ter havido vantagem ilícita nem conduta do agente nesse sentido. O que faz o magistrado é construir uma versão dos fatos (uma história linear) que é consistente com a escassez de provas que ele consegue juntar. Isso é muito pouco para condenar qualquer cidadão, e é menos ainda para condenar um ex-Presidente que teve toda a sua vida devassada para que se tentasse provar que o mesmo homem que nomeou diretores que roubaram milhões da Petrobras, se contentaria com um apartamento na praia do Guarujá.
LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DO ARTIGO:
O LAMENTO DE ARISTÓTELES NA DECISÃO DO CASO DO “TRIPLEX DE LULA”: INCORREÇÕES LÓGICAS DA SENTENÇA
Claudia Maria Barbosa
A decisão que condenou o ex-Presidente suscita diversos questionamentos jurídicos envolvendo aspectos constitucionais, criminais e cíveis, a propósito dos direitos de posse e propriedade.
Para além da análise jurídica, é fundamental também a análise lógica da argumentação apresentada, a qual constitui-se no objeto desse ensaio, focado na ilustração de trechos da decisão que são incorretos do ponto de vista lógico e comprometem, portanto, as conclusões obtidas.
A extensão da sentença, imprópria para um documento que deveria ser compreensível à sociedade, por si só sugere, como se comprova após a leitura, a dificuldade de provar-se o alegado. As 238 páginas da decisão do juiz contra o ex-Presidente, se estivessem assentadas apenas no Direito, poderiam resumir-se a poucas dezenas de páginas, nas quais conta-se os fatos, demonstra-se o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado ilícito obtido, prova-se o alegado, fundamenta-se a decisão e estabelece-se a pena e sua dosimetria.
Em Curitiba, contudo, a dificuldade era maior: diante da inconsistência das provas orais produzidas pela acusação (contradições reconhecidas pelo próprio juiz – item 587 por exemplo), enfrentando a falta de provas documentais que provem a conduta ilícita dolosa do réu, e confrontando-as às provas documentais e orais apresentadas pela defesa, que negam ter havido qualquer conduta ilícita do ex-Presidente, o magistrado inova: decide contar uma história, mas como não pode PROVAR a sua história, ele ao menos precisa PERSUADIR o leitor de que ela é verdadeira, e para tanto infere erroneamente que o fato de não haver outra história contada em detalhes, torna a sua a única verdadeira.
Muito do texto jurídico é eminentemente persuasivo, na medida em que os processos pressupõem um conflito no qual as partes e o juiz procuram descrever os fatos de maneira a convencer os interessados diretos e indiretos de que “A SUA” verdade constitui-se em “A” verdade, como se fosse esta a única possível.
Ciente da necessidade de se preservar a liberdade do indivíduo – direito que o liberalismo definiu como essencial ao ser humano – as constituições de vários países, assim como a brasileira, consagraram o princípio da presunção de inocência que expressa a ideia de que “todos são inocentes até prova em contrário”. Na Constituição Brasileira a redação expressa no Art. 5, LVII dispõe: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença pena condenatória”. Essa regra é logicamente oposta a outra que, por vezes e, infelizmente, expressa a realidade de parte da sociedade brasileira, traduzida na afirmação de que “todos são culpados até que se provem inocentes”.
Diferente da esfera cível, na esfera penal não basta a verossimilhança, a aparência de verdade, é preciso PROVAR, para além de uma dúvida razoável, que o acusado é culpado.
A linguagem jurídica é, ela mesma, imperfeita, no sentido de que ela comunica por vezes diferentes sentidos e interpretações para termos vagos e ambíguos, e exerce distintas funções, entre elas a de informar, comunicar, convencer. Expressões como perigo iminente, força bruta e dúvida razoável são encontrados em textos normativos cujos conteúdos são delimitados fora da norma. Por isso no direito penal estabeleceu-se a principio do in dubio pro reo, segundo o qual, havendo dúvida, impõe-se a absolvição do réu.
Na persuasão muitas vezes utilizam-se as falácias que, nas palavras de Warat (1985, p. 124), são “recursos argumentativos, que tendem a impor uma conclusão, não derivada logicamente, mas que logra sua aceitação por associação psicológica e emotiva”.
O termo falácia deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Na sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, que trata do “tríplex do Lula”, o magistrado utiliza com profusão as falácias, de maneira a persuadir os destinatários diretos e a sociedade de que a construção dos fatos que ele elabora é “A” única possível, apesar da fragilidade das provas orais e da ausência de provas documentais úteis que comprovem sua hipótese.
No estilo de linguagem utilizada, encontram-se lítotes, um recurso que consiste em afirmar o positivo pelo negativo, como no exemplo “não ignoro que” ao desejar expressar “eu sei que…”. Lítotes são úteis também para atenuar o pensamento, como no exemplo “Paulo não está em seu juízo perfeito”, para quem deseja afirmar “Paulo está louco”. Essa atenuação serve à ênfase dissimulada. Na decisão objeto de análise, utiliza-se de expressões escritas em profusão de forma negativa, de maneira a dissimular a fragilidade das provas que não corroboram os argumentos (premissas) utilizadas pelo magistrado.
A persuasão é inimiga da lógica, mas a lógica é amiga do Direito. Uma decisão ilógica, sobretudo em matéria penal, é insubsistente e incorreta.
No caso em tela, a prova dos fatos se dá muito mais por aquilo que não se prova, do que por aquilo que se pode provar, invertendo totalmente o ônus probatório, o qual, em matéria penal, recai sobre a acusação.
A decisão nesta Ação Penal, embora à primeira vista possa ser persuasiva, não resiste a um exame lógico superficial, por pelo menos três motivos indicados a seguir: (i) porque não consegue demonstrar o nexo causal necessário entre o antecedente e o consequente; (ii) porque usa e abusa erradamente de um conceito de implicação lógica: se A, então B; e (iii) porque é refutada pelos princípios da não-contradição e da trivialidade que caracterizam as lógicas clássica e deôntica, conforme se demonstra a seguir, podendo ser superados, em algumas circunstâncias especiais, pela lógica paraconsistente (BARBOSA, 2005).
O nexo causal em direito é o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido, ou seja, é necessário analisar e provar se determinado ato gera (produz) um específico resultado.
Em lógica o conceito de nexo causal é explicitado na ideia de implicação, cujo conceito nos impõe a seguinte regra: “Se A então B”. Ou, dito de outra forma, se A ocorre, então B ocorrerá também, necessariamente. Desse raciocínio, contudo, não decorre um outro que por vezes parece ser a sua contra-face: a construção “se não A, então não B” não é logicamente derivada da implicação.
A decisão é logicamente insubsistente e fere um dos princípios essenciais da lógica clássica. A lógica clássica, de base Aristotélica, está estruturada em três leis do pensamento, expressas através do princípio da identidade, do princípio da não-contradição e do princípio do terceiro excluído. A decisão fere de morte o princípio da não-contradição, que afirma que dois juízos contraditórios não podem ser ambos verdadeiros. Cada uma das afirmações pode ser verdadeira ou falsa, mas uma delas sendo verdadeira, a outra será falsa. O julgador no processo analisado constrói uma história e quer convencer o leitor de que ela é a única possível, logo, as demais seriam falsas.
O problema desse raciocínio é que ele é incorreto. O fato de se contar uma história com premissas que se quer fazer supor serem verdadeiras, não permite concluir logicamente que todas as outras possíveis são falsas. Essa construção só se equilibra, sem sustentação, no argumento persuasivo.
A característica da trivialidade, básica no raciocínio lógico, estabelece que “se em um único sistema S de lógica clássica forem derivadas duas sentenças, uma das quais sendo a negação da outra então qualquer sentença exprimível na linguagem de S pode ser derivada em S. Dito de outra forma, nas lógicas ditas clássicas em geral é válido o princípio ex falso sequitur quod libet (sic), formalmente expresso pela expressão “Se (A e (não A)) então B”, que indica que “de uma falsidade, tudo se segue”. Ou, tomando-se em consideração a ideia da contradição, “de uma contradição, qualquer coisa pode ser concluída” (BARBOSA, 2005, p. 78).
Ora, conforme constata BARBOSA (2005, p. 78) “se tudo se pode concluir de uma falsidade ou de uma contradição, pode-se provar qualquer coisa, e será impossível distinguir o falso do verdadeiro, de forma que, desde o ponto de vista da lógica clássica um sistema trivial é inútil, porque, se a partir dele tudo se pode afirmar, ele não acrescenta nenhuma informação”.
Por outro lado, quando a premissa de uma implicação não for verdadeira, nada pode se afirmar sobre a consequência, ou seja, não se pode dizer se a consequência é verdadeira.
Para tornar visível ao leitor algumas incorreções da decisão, vamos utilizar trechos que ilustram alguns dos defeitos lógicos que a compromete e a desconstrói logicamente. Com vistas a facilitar a localização, reproduziremos na análise os mesmos números cardinais com que o magistrado apresenta a sua sequência de fatos e os utiliza em seu longo texto para localizar trechos específicos da decisão.
Ex falso sequitur quodlibet
“587. É evidente que há diversas contradições entre os depoimentos, entre os dos acusados, entre os das testemunhas e entre os dos acusados com os das testemunhas”.
“597. Apesar da prova oral não ser uníssona, há apenas uma versão dos fatos que é consistente com a prova documental já examinada no tópico II. 12.”
O raciocínio utiliza lítotes: o texto seria mais claro, por exemplo, se dissesse “Apesar de existirem provas contraditórias”, mas essa afirmação lógica, vai de encontro à aparência de verdade que se pretende dar ao discurso construído.
Além disso, o discurso é falacioso: na impossibilidade de comprovar a culpa pelos testemunhos, o magistrado busca provas documentais que o corroboram. Essas, contudo, não provam a culpa do réu, no máximo estabelecem “o envolvimento” do ex- Presidente com os fatos como reconhece o magistrado no item 831. Então, na ausência de provas documentais e orais que provem a culpa, o magistrado inverte o raciocínio: “o réu é culpado porque não há outra narração possível para explicar os fatos.”
Mas, acima de tudo, esse raciocínio é incorreto.
Ao reconhecer contradições no depoimento (597), logicamente qualquer afirmação pode ser deduzida, pela trivialização do sistema.
O magistrado erroneamente diz que sua versão é a única possível para explicar os fatos que ele descreve, o que pelo princípio ex falso quodlibet é incorreto.
Ao contrário, havendo contradições “A e (não A)”, então qualquer sentença B pode ser inferida, contaminando a sistema de inferência. A única forma evitar a explosão e trivialização seria desconsiderar as provas contraditórias, o que parece não ter sido a intenção manifesta do magistrado. Lógicas paraconsistentes permitem superar a trivialização em alguns casos (BARBOSA 2005), mas depende de pressupostos que não se verificam na decisão prolatada.
Premissa não provada
Uma relação de implicação lógica impõe que de um antecedente haja um consequente. Ou seja, “Se A, então B”. Contudo, se “não A”, a conclusão pode ser tanto falsa quanto verdadeira.
Premissas não comprovadas, ao contrário do que quer induzir a decisão, NÃO conduzem a uma verdade não provada.
Exemplos desse defeito podem ser ilustrados nos trechos abaixo:
“642. Não há nenhuma dúvida de que os depoimentos de José Adelmário Pinheiro Filho e de Agenor Franklin Magalhães Medeiros são questionáveis, pois são eles criminosos confessos que resolveram colaborar a fim de colher benefícios de redução de pena. Mas isso não significa que os depoimentos não possam ser verdadeiros.”
Em nome da clareza e evitando-se figuras de linguagem como os lítotes que buscam dissimular a real intenção do texto, esse item seria mais claro se dissesse: “É certo que os depoimentos de Leo e Agenor podem ser falsos, pois são eles criminosos confessos que resolveram colaborar a fim de colher benefícios de redução de pena. Mas isso não prova que são falsos”.
Sim, é afirmação é verdadeira, mas também não prova que sejam verdadeiros. Os depoimentos podem ser tão falsos quanto verdadeiros porque de uma premissa que não se pode afirmar como verdadeira, não é possível afirmar-se que a conclusão é verdadeira. Ela pode ser falsa. E a possibilidade de ser falsa conduz, NECESSARIAMENTE à absolvição do réu. Tivesse o magistrado provado que eram verdadeiros os depoimentos, poderia se pensar em culpa; contudo, não há provas nesse sentido, fato reconhecido pelo próprio magistrado no item 597 da decisão, reproduzido mais acima. Impõe-se logicamente a absolvição do Réu.
Falácia non-sequitur (não se segue que)
Esta é um tipo de falácia no qual a conclusão não se sustenta nas premissas, onde se verifica uma violência da coerência textual.
Exemplo: “O jogador é alto, então deve jogar muito bem”. Ilustra-se esse tipo de falácia nos seguintes trechos da decisão:
“603. Desde o início, o que se depreende das rasuras na ‘Proposta de adesão sujeita à aprovação’, e ainda do termo de adesão e compromissos de participação com referência expressa ao apartamento 174, que, embora não assinado, foi apreendido na residência do ex-Presidente, havia intenção oculta de aquisição do apartamento 174-A, que tornou-se posteriormente o apartamento 164-A, triplex, Edifício Salinas, Condomínio Solaris, no Guarujá”.
No caso, da existência de documentos – Proposta e Termo de Adesão – não se infere o desejo de ocultação do imóvel. Uma coisa não decorre logicamente da outra.
Contudo, se a mera suposição pode servir de prova para a condenação de alguém, então deve servir também, com muito mais razão, para absolve-lo. Suponha-se, a título de exercício retórico e persuasivo (mesmos utilizados pelo magistrado) que a Proposta e o Termo tenham sido assinados por D. Marisa com a intenção de futuramente convencer o então Presidente a descansar na praia com a família. Não há prova que essa não possa ter sido a real intenção, frustrada pelo Presidente que entendia que ali haveria pouca privacidade para que pudessem frequentar a praia.
Reitere-se ainda o fato de que os documentos referenciados afirmam uma premissa inexistente: o ex-Presidente não assina qualquer documento. Inexistem provas, ainda que circunstanciais ou meros indícios, que permitam afirmar que o ex-Presidente queria o imóvel. Muito mais verossímil parece a versão de que D. Marisa quis e pretendia, talvez, convencer seu marido após o “fato consumado”.
O mesmo defeito reflete-se também nos exemplos que seguem:
“828. Foi ela (D. Marisa Letícia) quem assinou os documentos de aquisição de direitos sobre apartamento, então 141-A ou 174-A, no então Residencial Mar Cantábrico, junto à BANCOOP”.
“829. Mas é evidente que se tratava de uma iniciativa comum ao casal, pois a propriedade imobiliária transmite-se ao cônjuge, em regime de comunhão de bens”.
Ora, do fato de D. Marisa ter assinado os documentos sozinha (e um documento não ter assinatura) NÃO se infere que a compra do imóvel fosse uma opção do casal.
Tampouco se pode afirmar que o fato de a propriedade imobiliária transmitir-se ao cônjuge, PROVE que a aquisição do imóvel era um desejo do casal.
O consequente não decorre do antecedente e o raciocínio é logicamente incorreto.
O uso abusivo de raciocínios incorretos pretende dissimular o desprezo do magistrado por outras explicações possíveis para os fatos descritos. A leitura atenta das peças processuais e o sopesamento adequado das alegações de Léo Pinheiro (não corroboradas pelas provas documentais apresentadas pela acusação) poderiam conduzir à explicação muito mais provável de que D. Marisa quisesse um imóvel, tivesse assinado uma Proposta de Aquisição para o apartamento Tipo, e pudesse usufruir do mesmo com seus filhos e netos, mesmo que SEM a constante presença do ex-Presidente que, como é evidente, por conta das atividades políticas, não pode estar presente muito tempo com a família.
Desde o ponto de vista lógico, em frontal oposição ao que quer fazer crer o magistrado, o fato de poder existir pelo menos uma explicação alternativa demonstra ser a inferência constante da sentença, incorreta. Ressalte-se, para que não haja dúvidas, que pelo princípio da presunção de inocência, não compete à defesa do ex-Presidente provar uma narrativa alternativa à da acusação, mas cabe à acusação (ou nesse caso, ao juiz) PROVAR que a sua narrativa é correta.
O juiz não faz isso, o reconhece na decisão que não prova sua tese. O que ele faz é tentar persuadir o leitor desavisado de que, na ausência de outra narrativa (que a defesa não tem obrigação de produzir), a dele se torna verdadeira.
O fato de o juiz ignorar qualquer possibilidade de que a SUA verdade seja a única possível apenas faz supor (embora sem provas) a sua crença no dom da onisciência, em que se tem o conhecimento de tudo, sobre tudo, sem espaço para a contradição.
E finalmente:
“831. Além disso, o envolvimento direto do ex-Presidente na aquisição do bem é revelado pelo fato de ter visitado o imóvel, pelo projeto de reforma ter sido a ele submetido e principalmente pelo fato da diferença entre o preço e valor pago e ainda o custo da reforma ter sido abatido em uma conta corrente geral de propinas do Grupo OAS com o PT, tendo os créditos de corrupção que envolvia contratos celebrados com a Petrobrás durante seu mandato como Presidente da República.”
Aqui, mais uma vez: os fatos descritos não conduzem à conclusão desejada pelo magistrado. Do suposto “envolvimento” não se tem como consequência necessária a “vantagem indevida” que, aliás, é um dos problemas centrais da decisão: não se provou ter havido vantagem indevida, condição necessária para que o réu fosse culpado.
Conclusão
Os exemplos explorados apenas ilustram aquilo que aparece como sendo constante na decisão do juiz. O magistrado já deu mostras de quão dedicado (ou obcecado) é pelo seu trabalho e da sua expertise em crimes que envolvem lavagem de dinheiro.
Não é plausível supor que a fragilidade lógica de sua decisão decorra de sua incapacidade. Ao contrário, o provável é que as provas trazidas pelo Ministério Público ou provocadas pelo próprio juiz tenham sido tão insuficientes, que outra construção não poderia haver para a condenação, se não o frágil e improvável discurso dos argumentos persuasivos.
Na decisão prolatada, o juiz não consegue PROVAR a culpa do ex-Presidente e tampouco estabelecer o nexo causal entre a atuação do agente e a vantagem ilícita porque, de resto, NÃO prova ter havido vantagem ilícita nem conduta do agente nesse sentido. O que faz o magistrado é construir uma versão dos fatos (uma história linear) que é consistente com a escassez de provas que ele consegue juntar.
Isso é muito pouco para condenar qualquer cidadão, e é menos ainda para condenar um ex-Presidente que teve toda a sua vida devassada para que se tentasse provar que o mesmo homem que nomeou diretores que roubaram milhões da Petrobras, se contentaria com um apartamento na praia do Guarujá.
As parcas provas existentes poderiam conduzir à D. Marisa, mas provariam, na melhor das hipóteses, que ela escondia do ex-Presidente o desejo de ter um apartamento na praia, sem que o juiz pudesse comprovar ter a mesma agido para obter vantagens ilícitas.
A sentença do juiz é, de resto, logicamente insustentável e NÃO PROVA a culpa do ex- Presidente. Ao contrário, inocenta-o porque no estado de direito, a inexistência da prova de culpa conduz à inocência.