O capitalismo como o conhecemos a partir do final da Segunda Guerra Mundial não seguirá sendo o mesmo. A crise atual será maior do que a de 1929. O PIB brasileiro pode cair mais de 10% neste ano se medidas drásticas não forem tomadas. Medidas que sustentem a renda e progressivamente procurem rearticular as cadeias de fornecimento e produção. O contrário do que está fazendo o governo. A visão é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista ao TUTAMÉIA.
“É preciso fazer o keynesianismo além do Keynes”, diz.
Belluzzo ataca a medida provisória contra os trabalhadores anunciada pelo governo. “É uma insensatez, um atentado contra a razão humana. Se fosse aprovada, determinaria um agravamento da crise certamente. Iria enfraquecer a demanda global, na contramão de todas as medidas que estão sendo tomadas fora do Brasil. O atraso mental e intelectual do Paulo Guedes está influenciando de maneira decisiva, porque o presidente não entende de nada. Ele só entende de dizer baboseiras. Foi forçado a recuar porque sentiu o peso da reação”, afirma.
Para ele, “não só os trabalhadores seriam prejudicados; mas também os pequenos e médios empresários, as empresas em geral. E acaba batendo nos bancos, porque os bancos não conseguem receber o serviço da dívida que está atrelada aos empréstimos que fizeram às empresas. É um problema sistêmico. Não é possível você pensar como, desculpe a expressão, como cagada de bode. Por pedacinhos. É que eles não pensam nas integrações, articulações da economia. Do ponto de vista do conjunto da economia, vai causar mais danos para as empresas do que benefício. O Estado tem que fazer uma intervenção muito dura. Veja o que está acontecendo nos EUA. Bolsonaro não em condições de ser presidente da República. Ele não entende nada do mundo em que está vivendo. Devia fazer uma consulta com o Trump”, declara.
Professor da Unicamp, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Belluzzo foi incluído, em 2001, entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século 20. Na sua análise, a crise atual “desarticulou todo o tecido econômico e social. Devia se fazer o contrário [do que o governo está fazendo]: tomar ações de proteção aos trabalhadores, de sustentação às empresas, de intervenção muito séria, de coordenação muito séria do sistema financeiro e bancário”.
Ao TUTAMÉIA, ele se diz muito preocupado com a situação da dívida das empresas. “O Banco Central deveria comprar a carteira dos bancos. Isso é que foi feito pelo Roosevelt em 1933. Estamos fazendo tudo ao revés numa crise que é seguramente mais grave que a crise de 29. Essa crise foi um choque numa economia globalizada. Os processos de oferta e procura estão desgarrados. A crise vai se espalhar rapidamente se não forem tomadas as medidas adequadas. A saída de capitais preocupa. Não dá para tomar atitudes tópicas”.
Nesta entrevista, ele trata de remédios como a distribuição de dinheiro à população, o pagamento de salários pelo governo e outras propostas. “O Estado precisa cumprir a sua função de oferecer porto seguro para quem está tentando escapar da perda de riqueza que está vivendo ou está prestes a viver. É preciso, sim a criação monetária”, afirma.
Belluzzo prevê mudanças no processo de globalização, que expandiu as cadeias globais de valor e reduziu o espaço nacional. “A crise sugere que é muito grande o risco de se depender de mais do abastecimento externo”, observa. “Não vejo possibilidade de se reconstituir minimamente uma economia global a não ser que retornemos ao período em que o sistema era internacional, não era global. Era um sistema de relação de vários Estados Nações”.
E mais. Diz podem vir a ocorrer mudanças no próprio capitalismo, que não deve continuar como existiu nos últimos 50 anos, depois dos anos gloriosos do pós-guerra. “O capitalismo foi se dissolvendo, perdendo capacidade de se relacionar com as pessoas. Ele se afastou muito da vida concreta das pessoas. É da natureza. E ele não pode mais prosseguir [assim]. Isso está expresso na insatisfação geral das pessoas pelo mundo inteiro. Depois dessa crise, temos a chance de seguir melhor. Porque as condições tecnológicas, de organização podem ser usadas de maneira favorável, com a construção de um estado de bem estar mais avançado”.
Há também a possibilidade de as coisas degringolarem. Daí, Belluzzo reforça a importância da política, da pressão popular por mudanças que não terão “a concordância dos mais ricos”. E alerta: “O capitalismo, se conseguir sobreviver, vai sobreviver com outra cara”.
Na entrevista, confira as sugestões de leituras e de filmes que Belluzzo aponta. Da sua quarentena, ele desabafa: “O que está me fazendo muita falta é o velho e bom futebol