A ASCENSÃO DO FASCISMO
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A ASCENSÃO DO FASCISMO

O sociólogo Jessé Souza mostra como o fascismo brasileiro atua para dividir as classes populares, dando votos para a extrema direita

13/10/2018 1:40

Por Jessé Souza

Todo fascismo é reflexo de uma luta de classes truncada, percebida de modo distorcido e por conta disso violento e irracional no seu cerne. A elite e a alta classe média haviam, com sucesso, legitimado a opressão das classes populares pelo moralismo seletivo da corrupção apenas do Estado e da política como forma de criminalizar a soberania popular. Os “belgas”, que se vem como estrangeiros na própria terra, oprimiram o “Congo”, ou seja, o próprio povo, e o reduziram á pobreza e à ignorância. O ódio ao escravo se transformou simplesmente em ódio ao pobre. O escravo negro é eternizado nas massas majoritariamente mestiças com escolaridade precária condenadas ao trabalho desqualificado e semiqualificado. Esta é a base primeira de todo o ódio e ressentimento reprimido e recalcado que é o núcleo da sociedade brasileira. O fascismo implícito sempre foi o DNA da opressão de classes entre nós. O que tem que ser explicado, portanto, é como ele contaminou as próprias classes populares.

A ascensão do Partido dos Trabalhadores, com todas as suas limitações, foi uma inflexão importante no processo de organização popular. Com o golpe de 2013/2016, a reação conservadora veio primeiro de cima, da alta classe média nas ruas, da sistemática corrosão de valores democráticos diariamente perpetrada pela imprensa, e do acanalhamento do STF e, por consequência, da Constituição. O governo Temer promoveu o saque e a rapina que a elite queria e empobreceu o povo que havia experimentado uma pequena ascensão social. Foi dito a este povo que a corrupção política havia sido a causa do empobrecimento. Quando a corrupção dos partidos de elite fica óbvia a todos, sem ser reprimida, todo o sistema perde representatividade. O golpe de misericórdia foi a prisão injusta do líder das classes populares desmobilizadas. Aqui o último elo de expressão racional da revolta popular foi cortado.

Abriu-se a partir daí a porta para a revolta agora irracional das massas. Neste contexto, a ocasião faz o ladrão. A belíssima marcha do “#ELENÃO”, majoritariamente composta pelas mulheres da classe média mais crítica e engajada, possibilitou a cooptação do voto feminino das classes populares, última cidadela contra a “ética da virilidade” do fascismo popular. Aqui entra em cena o que há de mais sujo na política das “fake News” e da mentira institucionalizada. Analistas de ultradireita da campanha fascista, que perceberam as consequências do isolamento político dos indivíduos, que é o que capitalismo financeiro representa na esfera política, se aproveitaram impiedosamente deste fato para oporem mulheres emancipadas da classe média contra as mulheres pobres e evangélicas.Se você é pobre e humilhada, o ganho emocional que a distinção moral construída artificialmente com relação a mulheres supostamente “indecentes” exerce, por meio de mentiras que não podem ser desmentidas, passa a ter um apelo irresistível. É uma “vingança de classe”, obviamente distorcida e contra a fração errada da classe média, como escape em relação à pobreza vivida diariamente, mas cujas causas não são compreendidas.

Como já discuti no meu livro “A ralé brasileira”, contra a corrente, em 2017, a oposição pobre/honesto versus pobre/delinquente perpassa os mais pobres, dificultando enormemente qualquer solidariedade de classe. Daí também a importância de líderes políticos que os representem a partir de cima e secundarizem a contradição interna de classe com uma política de interesse de todos os pobres. Era isso que Lula representava. Sem isso, a porta fica aberta para a guerra de classe entre os próprios miseráveis, divididos entre os supostos honestos e supostos delinquentes, como definidos pelas elites.

É aqui que a “ética da virilidade”- ou seja, a ética dos que não tem ética – do fascismo – reina absoluta. O fascismo arregimenta a partir de cima os ressentimentos, medos e ansiedades, sem explicação possível, e os canaliza a “bodes expiatórios” externos. O antipetismo é apenas o mais óbvio. Mas todo fascismo usa e abusa da sexualidade reprimida das classes populares. O homossexualismo, que não pode ser admitido em si mesmo, é canalizado em selvagem agressão externa e o ódio à mulher percebida como ameaça incitam a uma agressiva regressão a padrões primitivos de relações de gênero. O pobre não é apenas pobre. Ele é humilhado e dominado por valores construídos para subjugá-lo. Isso confere ao fascismo enorme capilaridade e contamina a vida familiar e relações de vizinhança em todos os níveis da sociabilidade popular.

O líder fascista sem discurso e sem argumentos é o profeta exemplar perfeito das massas destituídas em todas as dimensões da vida. Sem organização hierárquica, como os nazistas alemães, o nosso é um fascismo miliciano, capilarizado e sem controle. O que é necessário explicar ao povo de modo compreensível é porque ele ficou mais pobre. Sem isso se pavimenta o caminho ao ódio irreversível.

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