MILHÕES DE BRASILEIROS VOLTAM À EXTREMA POBREZA
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MILHÕES DE BRASILEIROS VOLTAM À EXTREMA POBREZA

24/10/2017 1:01

A matéria abaixo, produzida pela agência de notícias americana Associated Press, revela uma parte importante da tragédia causada ao Brasil pelo golpe. Os dados, agora, começam a revelar a volta da pobreza de renda.

Mas a renda não é o único indicador da pobreza. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) criou um conceito mais completo, chamado de Índice de Pobreza Multidimensional, que afere a pobreza na sua mais ampla extensão, porque inclui indicadores como dificuldade de acesso à saúde, educação e qualidade mínima de vida.

E, assim, a verdade se tornou ainda pior. Não faltam exemplos desvastadores: volta a pobreza causada pela falta dágua, com o fim do programa de cisternas; volta a a pobreza da falta de educação e saúde, com o teto dos gastos; volta a carência de saúde, com o fim dos remédios gratuitos para a pressão alta, diabetes e asma e com as restrições ao Mais Medicos; volta a pobreza também com o fim da compra de alimentos da agricultura familiar; volta a pobreza com as restrições ao Fies, à política de quotas nas Universidades e com o fim do Pronatec.

Vergonhosamente, o Brasil volta ao Mapa da Fome.

O golpe é contra o Brasil, o golpe é contra os pobres.

Eis a reportagem da ASSOCIATED PRESS, reproduzida no Brasil pelo UOL:

 

EM 2 ANOS, MILHÕES FICAM  ABAIXO DA LINHA DA

POBREZA NO BRASIL E GANHAM MENOS DE R$ 140

 Peter Prengaman, Sarah Dilorenzo e Daniel Trielli

Da Associated Press, no Rio, São Paulo e Washington (EUA).

 Quando Leticia Miranda trabalhava vendendo jornal na rua, ganhava cerca de R$ 500 mensais, quantia exata para pagar o aluguel do pequeno apartamento que dividia com o filho de 8 anos em um bairro pobre do Rio de Janeiro.

Depois de perder o emprego, há cerca de seis meses, em meio à pior crise econômica no Brasil em décadas, ela não teve alternativa senão mudar-se para um edifício abandonado onde já viviam centenas de pessoas.

Todos os seus bens — uma cama, uma geladeira, um fogão e algumas roupas — estão amontoados em um pequeno quarto que, como todos os outros do prédio, tem janelas sem vidros. Os moradores tomam banho em latões cheios de água e fazem o que podem para conviver com o mau cheiro dos montes de lixo e dos porcos que reviram os detritos no centro do imóvel.

“Quero sair daqui, mas não tenho para onde ir. Estou procurando emprego e fiz duas entrevistas, mas por enquanto nada”, diz Letícia, vestida com a parte de cima de um biquíni, shorts e sandálias para enfrentar o calor.

Entre 2004 e 2014, dezenas de milhões de brasileiros saíram da pobreza, e o país foi considerado um exemplo para o mundo. Os altos preços das matérias-primas e os recém-descobertos recursos do petróleo ajudaram a financiar programas sociais que puseram dinheiro no bolso dos mais pobres.

Mas essa tendência se inverteu nos últimos dois anos por causa da recessão mais dura da história do Brasil e dos cortes nos programas sociais, o que indica que o país perdeu-se no caminho para eliminar desigualdades que remontam à época colonial.

O Banco Mundial calcula que cerca de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Mas a entidade também avalia que, em 2016, entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de pessoas voltaram a viver abaixo do nível de pobreza – com menos de R$ 140 por mês.

“Muitas pessoas que tinham saído da pobreza, inclusive as que haviam entrado na classe média, retrocederam. Esses números provavelmente estão subestimados e não refletem o fato de que muitos brasileiros de classe média baixa que ascenderam durante os anos prósperos perderam poder aquisitivo e estão novamente perto da pobreza”, afirmou Monica De Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional.

Segundo os economistas, o alto índice de desemprego e os cortes em programas sociais poderão agravar os problemas. Em julho, o último mês para o qual há dados disponíveis, o desemprego se aproximava de 13%, um aumento notável em comparação com os 4% do final de 2004.

Filas de desempregados estendendo-se por quarteirões viraram uma cena comum quando empresas anunciam que estão contratando. Quando uma universidade do Rio ofereceu empregos de baixa qualificação com um salário mensal de R$ 1.260, milhares de pessoas apareceram — muitas chegaram na véspera e esperaram debaixo de chuva.

Ao mesmo tempo, as pressões para equilibrar as contas públicas e as políticas conservadoras do presidente Michel Temer têm levado a cortes nos programas sociais. Entre os afetados está o Bolsa Família, iniciativa à qual se atribui grande parte da redução da pobreza durante a década de explosão econômica.

As receitas que não advêm do trabalho, incluindo benefícios sociais como o Bolsa Família, representaram quase 60% da redução do número de pessoas que viviam em extrema pobreza durante a década de ascensão, segundo Emmanuel Skoufias, economista do Banco Mundial e um dos autores do relatório sobre os “novos pobres” do Brasil.

Com lágrimas escorrendo pelo rosto, Simone Batista, 40 anos, conta que foi excluída do Bolsa Família depois do nascimento de seu filho, que agora tem 1 ano. Ela diz que quer recorrer da decisão, mas precisa ir ao centro da cidade fazer isso e não tem dinheiro suficiente para pegar o ônibus. “Cada dia é uma luta para sobreviver.”

Simone vive no Jardim Gramacho [onde funcionava um aterro a céu aberto], em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ali, centenas de pessoas procuram comida no meio do lixo que é despejado ilegalmente na área.

Uma análise dos dados do Bolsa Família feita pela agência de notícias Associated Press apontou que a cobertura diminuiu 4 pontos percentuais entre maio de 2016, quando Temer assumiu a Presidência interina do país, e maio deste ano.

Parte desse declínio talvez se deva ao pente-fino que começou a ser feito no final do ano passado. O governo federal anunciou ter encontrado “irregularidades” nos registros de 1,1 milhão de beneficiários, ou cerca de 8% dos 14 milhões de usuários. As infrações iam de fraude a famílias que ganhavam mais de R$ 170 mensais por pessoa, renda máxima para poder receber a ajuda.

“O governo não deveria perder o foco na prioridade” de tirar as pessoas da pobreza, disse Skoufias, acrescentando que o Bolsa Família representava apenas 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do país e que o governo deveria pensar em destinar mais recursos à iniciativa, e não menos.

No entanto, qualquer discussão sobre o aumento de gastos pode ficar travada no Congresso, que no começo do ano aprovou um teto para as despesas e que está sob pressão para votar grandes cortes no sistema de aposentadorias.

A situação das contas públicas é ainda pior em alguns Estados, como o Rio de Janeiro. Um ano depois de sediar os Jogos Olímpicos, em 2016, a situação das contas do governo estadual é tão ruim que milhares de funcionários públicos  estão sem receber seus salários, ou recebem em prestações. Muitos contratos, da coleta de lixo até um programa de vigilância comunitária, sofreram reduções drásticas.

Para muitos moradores das centenas de favelas do Rio, a existência já dura é cada dia mais precária.

Maria da Penha Souza, 59, vive com seu filho de 24 anos em uma casa pequena com telhado de zinco no complexo do Lins, na zona oeste do Rio. Eles querem se mudar, porque a casa fica numa ladeira íngreme, com risco de deslizamentos, mas o filho não consegue emprego desde que terminou o serviço militar, há alguns anos. “Eu mudaria se tivesse jeito, mas não tem. Quando chove não consigo dormir”, diz Maria da Penha.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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