A DESTRUIÇÃO DO 'MAIS MÉDICOS' - Dilma Rousseff
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A DESTRUIÇÃO DO ‘MAIS MÉDICOS’

Ação estabanada e arrogante do presidente eleito obriga Cuba a retirar médicos do Brasil e pode deixar milhões sem atenção básica de saúde

14/11/2018 7:09

POLÍTICA EXTERNA DE SAÚDE FEITA POR TWITTER

AMEAÇA EXTINGUIR O PROGRAMA MAIS MÉDICOS  

O fim do Convênio entre o governo de Cuba e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), sob o qual era  garantida a participação dos médicos cubanos no “Programa Mais Médicos”, deve-se a declarações intempestivas do presidente eleito Jair Bolsonaro, que ignora  a dimensão diplomática que cerca a relação entre países. Em especial, ofende a exigência de respeito aos convênios legalmente firmados, bem como à civilidade necessária aos acordos  de cooperação entre nações.

O Convênio que está sendo extinto trata da cooperação tripartite – entre Brasil, OPAS e Cuba – na qual a OPAS garante ao Brasil, nos termos e nas condições previamente negociadas com Cuba, médicos com o objetivo de melhorar a cobertura da atenção básica de saúde à população brasileira. Para nossa gente mais humilde, a extinção do  programa será uma perda irreparável a curto e médio prazos. Criado durante o meu governo, ofereceu até 2016 atendimento médico a 63 milhões de brasileiros e brasileiras, muitos dos quais jamais haviam tido acesso a um profissional de saúde. Na verdade, 700 munícipios do país não tinham um médico sequer para atender à população local.

As consequências do rompimento estabanado dos termos do convênio, em reiteradas manifestações pelo twitter do futuro presidente do País, são gravíssimas. Dezenas de milhões de brasileiros deverão ficar sem os cuidados básicos na área de saúde, em todo o território nacional.

A  decisão do presidente eleito foi unilateral e desrespeitosa, ao criticar por twitter os termos do convênio assinado no meu governo, e renovado, sem modificações, até pelo governo Temer. Dispensaram, por absoluta soberba, as posturas diplomáticas requeridas na relação entre países. O grave é, portanto,  que  tudo isso ocorreu  sem consulta aos signatários do acordo – a OPAS e o ministério da Saúde de Cuba. As manifestações levianas e autoritárias podem mesmo afastar também médicos de outros países que participam minoritariamente do Programa Mais Médicos.

Numa agressiva demonstração de indiferença às cláusulas estabelecidas sob a supervisão da OPAS, o presidente eleito anunciou que vai impor aos participantes estrangeiros do Mais Médicos contratos individuais, realização de exames de teste de conhecimento e validação de diplomas, pagamento direto, desconsiderando a garantia de salário integral dada aos médicos pelo governo cubano. Parecia desconhecer que, pelo convênio, a OPAS, instituição supranacional, contratava os médicos coletivamente junto ao ministério cubano e garantia sua qualificação junto ao Ministério de Saúde de Cuba. Sem dúvida, a exigência de submeter os médicos estrangeiros a um exame no Brasil só poderia ser vista como um gesto depreciativo, xenófobo  e arrogante, cometido contra os profissionais de saúde de países estrangeiros. Mesmo porque o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação supervisionavam o trabalho de todos os médicos e faziam avaliações de desempenho.

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Minas Gerais, por solicitação do meu governo, mostrou que 95% da população aprovava o trabalho dos médicos que integram o programa, sem distinção de nacionalidade, e 90% dos usuários deram nota de 8 a 10 ao Mais Médicos.

Em abril de 2016, o programa tinha 18.240 médicos, a maioria oriundos de Cuba, graças ao convênio entre o governo brasileiro e a OPAS. Os médicos cubanos foram essenciais para preencher as vagas do programa. Logo na chamada inicial, os médicos brasileiros não se candidataram em número suficiente; depois, abriu-se o programa para médicos da América Latina; e, finalmente, como ainda não haviam sido ocupadas sequer metade das vagas, firmou-se com a OPAS um convênio para a convocação de médicos cubanos, porque Cuba é um dos países do mundo que tem a mais alta relação entre médicos e população – 6,7 profissionais para cada grupo de 1.000 habitantes – e uma reconhecida experiência e competência em cooperação internacional na área de saúde.

Lembremos que em 2013 o Brasil possuía apenas 1,8 médicos por mil habitantes.  Menos que o México, o Uruguai e a Argentina. No  ritmo de formação universitária existente naquele ano, a  meta de chegar a 2,7 médicos por mil habitantes só seria alcançada em 2035. Essa foi a razão pela qual o programa Mais Médicos, além de espalhar profissionais pelas periferias das grandes cidades, pelos departamentos de saúde indígenas, pelo interior do país e pelos pequenos municípios, previa a criação de novas faculdades de medicina. Infelizmente, esta iniciativa  foi suspensa pelo governo golpista de Temer.

O gesto depreciativo de Bolsonaro contra os médicos cubanos e demais médicos estrangeiros em atividade no programa é um atentado contra a população brasileira, que vai deixar de ter acesso a valorosos e competentes profissionais na atenção básica à população mais pobre de nosso Brasil. É, ainda, uma atitude autoritária, que revela despreparo, porque rompe unilateralmente um convênio assinado com uma organização de saúde respeitada e credenciada internacionalmente. E, por fim, demonstra que o presidente eleito não tem noção do que significa cooperação internacional na área de saúde, colocando seus preconceitos à frente do interesse da população e  rompendo, por Twitter, convênio cuidadosamente negociado entre países e uma organização multilateral..

A população brasileira foi beneficiada pela generosa competência dos médicos cubanos, a quem o governo do Brasil devia reconhecer sua fraterna solidariedade.  A eles rendo minha homenagem e meu agradecimento. O trabalho destes profissionais dedicados e generosos fará falta aos brasileiros.

LEIA EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL A NOTA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DE CUBA:

 

Declaração do Ministério da Saúde Pública

  • FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE PÚBLICA DE CUBA

14 DE NOVEMBRO DE 2018

 O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios solidários e humanistas que nortearam a cooperação médica cubana por 55 anos, participa desde agosto de 2013 do Programa Mais Médicos no Brasil.  A iniciativa de Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para a maior quantidade possível de brasileiros, em consonância com o princípio da cobertura sanitária e universal promovida pela Organização Mundial da Saúde.

Esse programa prevê a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas do país.

A participação cubana no programa é feita através da Organização Panamericana da Saúde, e se distinguiu pela atuação em localidades não cobertas por médicos brasileiros ou de outras nacionalidades.

Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil profissionais cubanos fizeram 113 milhões e 359 mil atendimentos, em mais de 3.600 municípios, chegando a cobrir um universo de até 60 milhões de brasileiros na época em que constituíam 80 por cento de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.

O trabalho dos médicos cubanos em lugares de pobreza extrema, em favelas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, nos  34 Distritos Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, estaduais e municipais deste país e por sua população, que, em pesquisas de avaliação, concedeu 95% de aprovação ao atendimento, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.

Em 27 de setembro de 2016 o Ministério da Saúde Pública, em declaração oficial, informou, perto da data de expiração do contrato, em meio aos acontecimentos em torno do golpe de estado legislativo-judicial contra a Presidente Dilma Rousseff, que Cuba “continuará participando do acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais”, que foram respeitadas até o momento.

Agora, o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, em desrespeito à Organização Panamericana da Saúde e aos acordos desta instituição com Cuba, questionando a preparação de nossos médicos, condicionando sua permanência no programa à revalidação de seus diplomas e impondo como única via a contratação individual.

Estas modificações anunciadas impõem condições inaceitáveis ​​e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas em 2016, com a renegociação do termo de cooperação entre a Organização Panamericana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil, bem como os termos de cooperação entre a Organização Panamericana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis tornam impossível a manutenção da presença de profissionais cubanos no programa.

Portanto, diante desta lamentável realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do Programa Mais Médicos e comunica isto ao Diretor da Organização Panamericana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que criaram e defenderam este programa.

Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviço em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde de Cuba, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. São destaques as façanhas da luta contra Ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, a cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do “Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.

Na esmagadora maioria das missões cumpridas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Além disso, da mesma forma, em Cuba foram formados de maneira gratuita 35.613 profissionais de saúde de 138 países, como expressão de nossa vocação solidária e internacionalista.

Aos colaboradores que trabalham no exterior são garantidos sempre o posto de trabalho e 100% do salário que recebiam em Cuba, com todas as garantias trabalhistas e sociais, assim como aos demais trabalhadores do sistema de saúde.

A experiência do Mais Médicos no Brasil e a participação cubana demonstraram que se pode estruturar um programa de cooperação Sul-Sul, sob os auspícios da Organização Panamericana de Saúde, para atingir metas em nossa região. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Mundial de Saúde qualificam o Mais Médicos como principal exemplo de boas práticas de cooperação triangular e de implementação da “Agenda de 2030” com os seus objetivos de desenvolvimento sustentável.

Os povos da nossa América e do resto do mundo sabem que sempre poderão contar com a vocação humanista e solidária de nossos profissionais.

O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que confiou desde o primeiro momento nos médicos cubanos, que aprecia suas virtudes e agradece o respeito, a sensibilidade e o profissionalismo com que lhe atenderam, saberá compreender sobre quem cairá a responsabilidade pelo fato de que os nossos médicos não possam mais continuar prestando seu apoio solidário nesse país.

Havana, 14 de novembro de 2018

 

DECLARACIÓN DEL MINISTERIO DE SALUD PÚBLICA

  • FUENTE: MINISTERIO DE SALUD PÚBLICA DE CUBA
  • 14 NOVIEMBRE 2018

El Ministerio de Salud Pública de la República de Cuba, comprometido con los principios solidarios y humanistas que durante 55 años han guiado la cooperación médica cubana, participa desde sus inicios en agosto de 2013 en el Programa Más Médicos para Brasil. La iniciativa de Dilma Rousseff, en ese momento presidenta de la República Federativa de Brasil, tenía el noble propósito de asegurar la atención médica a la mayor cantidad de la población brasileña, en correspondencia con el principio de cobertura sanitaria universal que promueve la Organización Mundial de la Salud.

Este programa previó la presencia de médicos brasileños y extranjeros para trabajar en zonas pobres y apartadas de ese país.

La participación cubana en el mismo se realiza a través de la Organización Panamericana de la Salud y se ha distinguido por ocupar plazas no cubiertas por médicos brasileños ni de otras nacionalidades.

En estos cinco años de trabajo, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atendieron a 113 millones 359mil pacientes, en más de 3 mil 600 municipios, llegando a cubrirse por ellos un universo de hasta 60 millones de brasileños en el momento en que constituían el 80 por ciento de todos los médicos participantes en el programa. Más de 700 municipios tuvieron un médico por primera vez en la historia.

La labor de los médicos cubanos en lugares de pobreza extrema, en favelas de Río de Janeiro, Sao Paulo, Salvador de Bahía, en los 34 Distritos Especiales Indígenas, sobre todo en la Amazonía, fue ampliamente reconocida por los gobiernos federal, estaduales y municipales de ese país y por su población, que le otorgó un 95 por ciento de aceptación, según estudio encargado por el Ministerio de Salud de Brasil a la Universidad Federal de Minas Gerais.

El 27 de septiembre de 2016 el Ministerio de Salud Pública, en declaración oficial, informó próximo a la fecha de vencimiento del convenio y en medio de los acontecimientos en torno al golpe de estado legislativo judicial contra la presidenta Dilma Rousseff que Cuba “continuará participando en el acuerdo con la Organización Panamericana de la Salud para la aplicación del Programa Más Médicos, mientras se mantengan las garantías ofrecidas por las autoridades locales”, lo cual se ha respetado hasta este momento.

El presidente electo de Brasil, Jair Bolsonaro, con referencias directas, despectivas y amenazantes a la presencia de nuestros médicos, ha declarado y reiterado que modificará términos y condiciones del Programa Más Médicos, con irrespeto a la Organización Panamericana de la Salud y a lo convenido por esta con Cuba, al cuestionar la preparación de nuestros médicos y condicionar su permanencia en el programa a la reválida del título y como única vía la contratación individual.

Las modificaciones anunciadas imponen condiciones inaceptables e incumplen las garantías acordadas desde el inicio del Programa, que fueron ratificadas en el año 2016 con la renegociación del Término de Cooperación entre la Organización Panamericana de la Salud y el Ministerio de Salud de Brasil y el Convenio de Cooperación entre la Organización Panamericana de la Salud y el Ministerio de Salud Pública de Cuba. Estas inadmisibles condiciones hacen imposible mantener la presencia de profesionales cubanos en el Programa.

Por tanto, ante esta lamentable realidad, el Ministerio de Salud Pública de Cuba ha tomado la decisión de no continuar participando en el Programa Más Médicos y así lo ha comunicado a la Directora de la Organización Panamericana de la Salud y a los líderes políticos brasileños que fundaron y defendieron esta iniciativa.

No es aceptable que se cuestione la dignidad, la profesionalidad y el altruismo de los colaboradores cubanos que, con el apoyo de sus familias, prestan actualmente servicios en 67 países. En 55 años se han cumplido 600 mil misiones internacionalistas en 164 naciones, en las que han participado más de 400 mil trabajadores de la salud, que en no pocos casos han cumplido esta honrosa tarea en más de una ocasión. Se destacan las hazañas de la lucha contra el ébola en África, la ceguera en América Latina y el Caribe, el cólera en Haití y la participación de 26 brigadas del Contingente Internacional de Médicos Especializados en Desastres y Grandes Epidemias “Henry Reeve” en Pakistán, Indonesia, México, Ecuador, Perú, Chile y Venezuela, entre otros países.

En la abrumadora mayoría de las misiones cumplidas los gastos han sido asumidos por el gobierno cubano. Igualmente, en Cuba se han formado de manera gratuita 35 mil 613 profesionales de la salud de 138 países, como expresión de nuestra vocación solidaria e internacionalista.

A los colaboradores se les ha mantenido en todo momento el puesto de trabajo y el 100 por ciento de su salario en Cuba, con todas las garantías laborales y sociales, como al resto de los trabajadores del Sistema Nacional de Salud.

La experiencia del Programa Más Médicos para Brasil y la participación cubana en el mismo demuestra que sí se puede estructurar un programa de cooperación Sur-Sur bajo el auspicio de la Organización Panamericana de la Salud, para impulsar sus metas en nuestra región. El Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo y la Organización Mundial de la Salud lo califican como el principal ejemplo de buenas prácticas en cooperación triangular y la implementación de la Agenda 2030 con sus Objetivos de Desarrollo Sostenible.

Los pueblos de Nuestra América y del resto del mundo conocen que siempre podrán contar con la vocación humanista y solidaria de nuestros profesionales.

El pueblo brasileño, que hizo del Programa Más Médicos una conquista social, que confió desde el primer momento en los médicos cubanos, aprecia sus virtudes y agradece el respeto, sensibilidad y profesionalidad con que le atendieron, podrá comprender sobre quién cae la responsabilidad de que nuestros médicos no puedan continuar prestando su aporte solidario en ese país.

La Habana, 14 de noviembre de 2018

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